Sempre cultivei uma profunda afinidade pelo clima chuvoso; meu avô costumava contar que, no dia do meu nascimento, uma tempestade se abateu sobre nós. Desde então, essa experiência meteorológica tornou-se quase uma manifestação espiritual para mim. Contudo, eu não tinha a menor ideia de como essa conexão seria drasticamente transformada.
Cada estalo que ecoava nas batidas incessantes de sua cinta marcava minhas costas, acompanhado pelos gritos lunáticos e agressivos que escapavam de seus lábios.
— Quando eu ordeno que você pegue uma cerveja, seu desgraçado, você obedece!
— Papai, por favor!
— CALA A PORRA DA BOCA, SEU RESTO DE ABORTO!
A cada golpe que caía sobre minhas costas, mais lágrimas escorriam.
A dualidade do sofrimento entre as cintadas profundas e os insultos à memória de minha falecida mãe tornava o tormento quase insuportável.
Essas cenas grotescas eram apenas nos momentos de sobriedade dele. Quando embriagado, as agruras se multiplicavam. Em uma noite específica, enquanto eu dormia sem medo algum, senti suas mãos manipulando meu corpo na cama. Logo depois, meus pés e mãos foram amarrados. Minutos arrastaram-se antes de seu retorno ao quarto, trazendo consigo uma faca.
A ponta da lâmina ardia como brasa, o metal aquecido cravado sob minha pele. A dor visceral e insuportável da lâmina era acentuada pelos trovões que ecoavam nas inúmeras vezes em que fui maltratado.
Foi um desses trovões que me arrancou do pesadelo em uma noite específica. Ainda estava com minhas roupas de colégio, o que indicava que algo anormal havia acontecido. Talvez fosse o cansaço que me acometera. Ao som da chuva fina que castigava a janela, percorri a casa mergulhada na escuridão, atravessei o quarto de meu avô e cheguei ao banheiro.
Com as luzes acesas, joguei água sobre o rosto. Senti o frio penetrar meus cabelos. Ao encarar novamente o espelho, ele estava lá, rindo e me observando.
— Que patético. Acha mesmo que consegue amar alguém?
— Você não consegue nem ser um bom filho, quem dirá amante.
Escapei para fora daquele banheiro. No exterior, fui confrontado por meu pai totalmente transtornado, sua visão aterradora, a mesma garrafa de cerveja daqueles dias infernais e o cheiro de seu hálito bêbado novamente em meu nariz.
Foi quase sobrenatural quando algo semelhante a um tapa atingiu meu rosto. A sensação de terror infantil se apoderou de mim, como se eu retrocedesse aos sete anos. As luzes piscavam.
Aquela figura amedrontadora atirou uma garrafa de vidro em meu rosto. Encolhi-me, chorando; a tremedeira de meu corpo era desconfortável.
— O QUE FOI, SEU PORRINHA DE MERDA? ALÉM DE INÚTIL, É UM COVARDE!
Encolhi-me, as costas viradas para aquela sombra aterrorizante. Senti novamente as cintadas atingirem as minhas costas.
— OLHA PARA MIM, SEU PORRA!
— OLHA PARA MIM!
— OLHAAAAAAA!
As luzes retornaram; o celular em meu bolso vibrava. O corpo estava encharcado de suor; com dedos trêmulos, agarrei o celular. Quando vi que o número era desconhecido, não podia ser Nyx; ela estava com o celular quebrado, e Miguel costumava grampear seus telefones. Se não era nenhum dos meus amigos, quem seria?
Só tive certeza de quem era quando atendi o celular.
— Vossa senhoria acaba de ligar para um tal Jin que conheci no colégio.
— Sim, por quê?
— Não sei se você lembra, mas sou o Roger, baixinho, moreno, de cabelo branco, virgem...
— Lembro, mas como conseguiu meu número, posso saber, senhor?
— Ah, sabe aquela garota branca CDF que namora aquele menino ensebado? A Nyx. Então, ela que me passou.
— Tá, sei, mas o que isso tem a ver?
— É que eu queria saber... se você queria sair para um rolê comigo.
— Isso é um convite para um encontro?
— Não chamaria isso de encontro, está mais para uma confraternização onde vamos jogar Tekken 3. E aí, você topa?
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Amor Sublime
RomanceAs vezes você pode encontrar a pessoa amada em muitos lugares, nas situações mais inesperadas, mas e isso que torna ele sublime, eu encontrei meu amor de uma única maneira, encontrei enquanto brigava com ele