Capítulo 24

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TESSA
passado

"vou lhe confessar meus pecados para você poder afiar sua faca" Hozier

andei pela cozinha sentindo minhas costas latejarem, os machucados recentes em atrito com o tecido do meu vestido pioraram tudo, mas eu sorri pra minha mãe enquanto ajudava a retirar a mesa do jantar, andei ate a cozinha passando pela sala e encarei o meu pai que estava sentado na poltrona alheio a todo o nosso movimento. terminando de secar os pratos eu me aproximei da minha mãe enquanto ainda ouvia a TV ligada e tive certeza que meu pai não apareceria.

— mãe, será que eu poderia não ir a missa hoje? não me sinto bem — menti, descobri que com o passar dos anos eu conseguia fazer isso com muita facilidade.

—sabe que seu pai não permitiria, hoje é domingo — me lançou um olhar triste, ela sabe por que eu não queria ir mas nunca falaria sobre isso — seja forte Tessa.

— por favor — sussurrei o ouvimos o silencio que se instalou na sala, e então seus passos pelo corredor.

—podemos ir? — perguntou seco, segurando seu terno nas mãos.

— sim querido, estamos prontas — ela sorriu deixando o pano de prato de lado e andaram juntos ate a porta. como todo domingo andamos ate a igreja, eu de cabeça baixa ao lado da minha mãe, saia comprida e cabelos presos tentando sumir na multidão, passar despercebida. claro que seria pedir demais, já ouvia os sussurros nas minhas costas quando me sentei em um dos bancos de madeira, como se elas já não doessem o bastante. Continuei firme tentando prestar atenção no pastor que estava lá em frente, mas me refugiei nos meus pensamentos, onde imaginei outra garota da minha idade, em um domingo a noite deveria estar de ressaca, estudando pra faculdade dos sonhos ou talvez com o namorado, com certeza mais felizes do que eu. Parada na escadaria da igreja eu abracei meu corpo enquanto esperava meus pais se despedirem dos amigos, já tinha visto o Jimmy mas é claro que não nos falamos, vi o momento em que ele andou até mim com um sorriso sujo nos lábios, o sorriso que era o mais doce do meu mundo.

— C — me cumprimentou e só então percebi seus amigos na sua cola, não respondi e não pretendia ser educada com ele — não vai poder ficar a vida inteira com raiva de mim — tocou meu braço que eu tirei da sua mão em um solavanco.

— que brava — um garoto falou um pouco atrás de Jimmy , ele se chamava Gregório, era o filho perfeito dos Sanders que nunca saiu da linha, educado, gentil e obediente — você me disse que ela era gostosa — o infeliz torceu o nariz olhando as minhas roupas, certo, parece que todos nós fingimos muito bem.

— é eu sei, essas roupas — Jimmy fez uma cara de tédio, ele sempre criticou as roupas que eu usada, as roupas que eu preciso usar de acordo com os meus pais — mas sem elas eu te garanto que sim, aí faz toda a chatisse valer a pena — senti ânsia de vômito vendo como ele se referia a mim em frente a outras pessoas e não me segurei quando acertei um tapa na sua cara, arrancando um suspiro de surpresa de todo mundo que estava a nossa volta, até de mim mesma.

— como se atreve a bater na cara de um homem? — a mãe de Jimmy apareceu puxando o filho que fingia um teatrinho de quem estava ferido e ofendido — nunca mais chega perto da minha família — a mulher que um dia disse que eu era uma boa garota e uma boa namorada quase cuspiu nos meus pés.

— vamos embora — a voz atrás de mim arrepiou a minha espinha e eu congelei enquanto meus pais andaram na frente sem olhar pra trás, o medo dominou o meu corpo de um jeito que nem pensamentos fantasiosos poderia me salvar. Entrando em casa eu tremi vendo a porta ser trancada e meu pai parando em frente a sua poltrona tirando o termo cinza que usava — como se já tão bastasse toda essa vergonha que você nos faz passar, ainda precisa piorar a nossa situação em frente à igreja.

— ele me desrespeitou — outro lapso de coragem me atingiu essa noite, e em troca recebi um tapa pra expulsar a coragem de mim.

— você se desrespeitou, quando tirou a sua roupa e foi pra cama de um homem que não era seu marido — segurei um grito na garganta — eu pago a sua escola, a sua comida, as suas roupas, até a água que você bebe, e mesmo assim você não me respeita e só joga o meu nome na lama.

— foi só um erro — sussurrei quase sem som e minha mãe parecia querer que eu calasse a boca — foi um único erro e todos vocês estão me crucificando — chorei abraçando meu próprio corpo.

— um único erro, mas te custou um futuro com um homem que te respeite, o perdão de Deus que você nunca vai ter, você é como um tapete manchado que ninguém vai querer ter — meu pai falava espumando de raiva, como se estivesse tentando me fazer entender.

— isso não é verdade, eu não vou ficar em   Westville pra sempre, toda essa cidade não vai ser nada pra mim quando eu vazar daqui.

— querido — a voz da minha mãe soou alarmada e ele sumiu pelos corredores — por que você faz isso consigo mesma? — minha mãe começou a chorar e tirou o terço do bolso enrolando na sua mão, logo ouvi os passos no corredor e meu pai carregava aquela maldita corda na mão, sem a Bíblia dessa vez, ele não queria me ensinar nada só queria me castigar.

— você vai aprender por bem ou por mal — andou até as minhas costas e me assustando rasgou o meu vestido deixando minha pele das costas amostra, mesmo sem querer ajoelhar eu caí no chão enquanto chorava e mal respirei quando senti a primeira chicotada, profunda, dolorosa e crua que se repetiu mesmo quando eu gritei.

— já está bom, por favor — minha mãe interferiu, coisa que nunca fazia, e ele parou com a respiração irregular e saiu da sala sem olhar pra trás, pisquei pras lágrimas caírem e eu voltar a enxergar com mais clareza, agarrei o vestido por cima do peito e me levantei do chão dessa vez sentindo mais raiva do que tristeza. Fui pro meu quarto sentindo que eu ia morrer com a dor que eu sentia, mas eu não ia permitir que isso acontecesse. como minha mãe me disse eu devo ser forte, eu tenho que viver pra ter vida que eu sempre quis longe daqui.

Meu pecado - amores improváveis #3Onde histórias criam vida. Descubra agora