Júlia
Se tem uma coisa que marca minha personalidade é o fato de eu odiar covardia, injustiça, e outra coisa é que eu não consigo me calar diante dessas situações, não sei fingir que não estou vendo. Talvez isso se deva a minha infância e a tudo que eu vi e vivi. Sou cria do complexo da Penha, nasci e cresci nessa comunidade, tive pai e mãe mas hoje só tenho minha mãezinha que assim como eu é uma sobrevivente. Como moradora de favela eu ja presenciei muita coisa ruim, mas a pior delas foi ver meu pai sendo morto pelo tribunal, não porque eu sinta pena dele, apesar de ser meu pai eu não consigo desenvolver esse sentimento por ele,mas me recordo desse dia como uma lembrança ruim porque levei muitos anos pra superar esse trauma e seguir
Mas hoje graças a Deus eu e minha mãe vivemos bem e livres, liberdade essa que nós só tivemos depois que ele foi assasinado, nunca desejei esse fim pra ele, mas foi o mesmo quem procurou. Lembro como hoje da minha infância, das tantas vezes que apanhei, passei fome, vi minha mãe ser violentada, invadida, desrespeitada e nunca pude fazer nada a não ser tentar amenizar a dor dela a cada vez que aquele monstro a encostava, mas isso não era suficiente
Esse foi um dos motivos que fez meu pai tomar o fim que tomou, mas não foi o único. Ele não se drogava mas era alcoólatra - o que pra mim tem quase o mesmo efeito dependendo da proporção que a pessoa ingere, e ele não bebia de forma moderada - e foi a bebida quem levou ele a morte, já que ele decidiu bancar um de x9 pra conseguir mais dinheiro, porque o que ele roubava da minha mãe,que vinha das marmitas que ela fazia em casa mesmo pra vender e garantir nosso sustento,não eram suficiente.
Ele caiu na bebida quando eu tinha 9 anos, sem motivos evidentes, nem nada que justificasse, se é que tem justificativa. Mas antes disso nossa relação não era das melhores, pelo fato dele ser um homem machista, que nunca quis ter uma filha mulher. Minha mãe e eu sempre fomos controladas e intimidades por ele, mesmo antes da bebida ter se tornado um vício
Cresci ouvindo o que eu deveria fazer, com quem deveria falar, como tinha que me vestir e me comportar,mesmo que eu ainda fosse uma criança. Minha mãe nem se fala, era sempre coagida ou humilhada e quando colocava uma roupa que ele julgava curta demais ou usava o cabelo de uma forma que pra ele era sensual, ela era humilhada muitas e vezes impedida de sair como forma de castigo. Nossa vida nunca foi tranquila, tão pouco foi feliz, minha mãe não tinha brilho nos olhos nem vontade de viver, cresci vendo ela ser submissa, e aquele homem tentava fazer o mesmo comigo
As coisas pioraram pra nós depois da bebiba mas boas mesmo nunca foram, sempre fomos violadas e nossas vontades nunca foram respeitadas, só que depois do vício vieram as agressões,os abusos,as dificuldades, porque mesmo que ele nunca tenha deixado minha mãe trabalhar fora, permitia que ela fizesse marmitas em casa mesmo pra vender, e esse sempre foi nosso maior sustento já que toda vida ele viveu de bico e mesmo assim nunca fez questão de arcar com as despesas de casa,e o pouco que dava nunca foi suficiente. Mas depois que ele caiu na cachaça e ficou pior do que já era, não tínhamos nem o dinheiro do trabalho da minha mãe mais, porque ele roubava pra sustentar o alcoolismo
Não tive uma infância com lembranças bacanas e nem felizes, mas mesmo que eu não tenha desejado a morte dele, nossa vida ficou mais leve depois que meu pai foi cobrado pelos caras do movimento, quando descobriram que ele era x9 e ainda deram um tratamento especial porque também tomaram conhecimento das coisas que ele fazia com a minha mãe e comigo, foi tudo na nossa frente, não sei se na cabeça deles íamos nos sentir vingadas se víssemos, mas sei que o que isso me trouxe foi um grande trauma que demorei anos pra superar
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Destino Traçado
FanfictionAna Luiza Martins, jovem desacredita do amor, com um filho pequeno e carregando nas costas o peso que foi obrigada a suportar sozinha depois que o marido a abandonou, 8 anos de um relacionamento que foram jogados no lixo assim que ele se transformou...