Capitulo 25

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Alemão

Papo só, não sei nem explicar o que tô sentindo depois dessa merda toda que aconteceu nas últimas horas, claro que já agradeci pra caralho a Deus por estar vivão e ter saído ileso, agradeci também pelos vermes não terem conseguido levar a mina, apesar de ter sido por pouco, não foi dessa vez. Mas fora isso, todo o resto tá sendo pesado pra caralho de digerir, o primeiro dia pós invasão ou operação é sofrido pra favela, é sempre assim, mas hoje em especial tá sendo indigesto parceiro, impossível de lidar com sensatez, até pra vagabundo que tem a mente blindada, que é acostumado com essas porra, como meus parceiros e eu, mas nem nós  estamos de boa diante do cenário que se encontra a favela.

Eu já tava com a cabeça cheiona, prestes a explodir por causa das minhas questões pessoais que tinham me tirado do eixo desde aquela conversa com o arrombado do Borba, aquilo ali já foi o suficiente pra me desestabilizar, tudo que veio depois também foi foda pra caralho, difícil abeça, falo isso tanto me referindo ao que aconteceu no beco com o cuzão do Diego e os outros canas, quanto a parada sinistra que rolou entre a Ana Luiza e eu, essa fita aí é outra coisa que tá barulhando pra um caralho na minha mente, eu queria mermo era que esse fosse o único caô que eu tivesse pra resolver,mas como desgraça pouca pra vagabundo é luxo, o prejuízo que eu tomei nesse brincadeira do BOPE e da PM foi de foder com qualquer um.

Fora o lado financeiro, levando em consideração o valor da minha carga que os arrombados apreenderam, ainda tem o outro lado da moeda, a porra do meu morro tá parecendo cenário de guerra, as ruas da minha favela, que eu defendo com a vida, tão lavadas de sangue pô, sangue dos meus parceiros, que estavam sempre no corre comigo, de vários menor da minha tropa, que sempre me fortaleceram, só menor bom, também tem muito sangue inocente, sangue de morador que não deve porra nenhuma ao sistema, sangue de muita criança que não teve nem a porra do privilégio de crescer e ter discernimento pra escolher o que queria ser, perderam a vida no meio de uma merda que eles não tinham nada haver.

Essa porra não é novidade na favela, não é um fato isolado, acontece com muito mais frequência do que deveria, se é que essa porra deveria acontecer, o que pega é que nós que somos do crime, já somos acostumados a lidar com situações como essa, mas o dia de hoje tá sendo cruel demais até pra nós, pra mim tá impossivel. Ontem quando saimos do barraco que ficamos entocados até o bagulho amenizar, o turco e eu decidimos que seria mais seguro a mina ficar na minha casa, deixamos ela lá e só deu tempo pra eu tomar um banho, comer algum bagulho e sair pra rua atrás de resolver a bagunça que aqueles vermes deixaram.

Ver o estado que a minha comunidade ficou me sugou legal, aquela parada tomou todas as minhas energias, eu já tava me sentindo um merda, um nada por ter descoberto que meu menorzinho era filho de um arrombado como o borba, tava no ódio pela traição vinda da filha da puta da Isadora, tava me sentindo um lixo por tudo que rolou com meu irmão, e ainda assim ainda tive que enfiar mais uma vez todas as minha dores no cu e ser forte, ser forte porque eu era o chefe e tinha que dar exemplo, ser forte porque a porra da minha vida nunca me deu a chance de fraquejar, eu nunca tive o direito de sentir minhas paradas, desde novo sou obrigado a mascarar o que sinto por razões maiores, maiores ao ponto de passar por cima de mim, e mais una vez a história se repetiu, mas uma vez eu engoli minhas mágoas e fui resolver o que tinha que ser resolvido.

Fui ver a questão do enterro de todos os meus manos que se foram, de todos os inocentes que perderam a vida por minha causa, fui fazer a única coisa que estava ao meu  alcance naquele momento, que era pelo menos dar uma partida digna aos meus de fé, e aos moradoes que se foram injustamente. De certa forma eu sabia que ter caído pro crime foi escolha de cada um dos meus que estavam caídos naquele chão, mas isso não amenizava minha culpa, aquelas mortes eu carregaria nas minhas costas, essas também contariam como pecados cometidos por mim, a vida dos moradores eu também colocava na minha conta, mesmo que indiretamente, tinha sangue de toda aquela gente na minha mão, eu me sentia o centro daquele rastro de destruição, me sentia culpado como se a bala que matou todas aquelas pessoas, tivesse saído do meu cano, era insano, mas era esse o sentimento que estava tomando conta de mim.

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