•MATEO•
𓆟 𓆞 𓆝 𓆟 𓆞 𓆝 𓆟 𓆞 𓆝Eu não me lembrava quando foi a última vez que senti meu corpo ficar tão leve como estava sendo durante esses dias. Desconfiava que o motivo disso tinha a ver com a garota que consegue ser a razão exata da minha paz e estresse.
Morgana e eu estávamos em um tipo estranho de relacionamento baseado em sexo, não encontrava outra forma de descrever o que éramos. Mas mesmo que nesses últimos dias tenhamos ficado mais próximos, ainda assim parecia haver uma barreira entre nós dois, não sabia a causa disso mas tinha a noção que esse fato me incomodava.
Olhei para o hospital a minha frente e tentei achar desculpas para poder dá meia volta e sair dali, só queria minha casa. Ainda estávamos sobre o processo de adoção do Pedro e tinha que confessar que parte de mim sentia saudade do pequeno correndo pela casa, foi preciso apenas uma semana com ele para me apegar ao pirralho. O advogado que têm cuidado do nosso processo é um dos melhores no ramo, mas mesmo já tendo avançado boa parte da causa, ainda precisávamos fazer nossa parte, Fabrício nos aconselhou participar de algumas causas sociais, o que nos trazia exatamente nesse momento.
Observei a garota ao meu lado e notei uma expressão estranha em seu rosto. Segurei a mão dela e a retirei de seus próprios pensamentos.
— Está tudo bem? — Perguntei fazendo ela despertar.
— Sim, só não sei se meu estômago está pronto para lidar com isso.
Tínhamos algumas opções pra onde ir, mas resolvemos escolher justamente um hospital carente que era conhecido por tratar especificamente de crianças com câncer. Ou seja, a energia não era das melhores.
— Não precisamos fazer isso se não quiser — Eu queria urgentemente sair daqui, mas acima de tudo queria tirar aquela expressão sombria de seu rosto.
— Não, a gente tem que fazer isso — Ela colocou um sorriso triste no rosto — Vamos.
Apertei sua mão com um pouco de intensidade e puxei ela para a entrada. Tentei não demonstrar que estava tão nervoso quanto ela, Morgana precisava de apoio nesse momento.
Avançamos até a recepção e uma mulher com um sorriso contagiante nos recebeu, ela parecia alguém simpática até demais.
— Bom dia, como posso ajudá-los? — A morena perguntou se concentrando na gente.
— Eu e minha noiva viemos para o projeto que ajuda as crianças — Um brilho atingiu o rosto da desconhecida.
— Vocês devem ser a Morgana e Mateo — Confirmei com a cabeça — As crianças estavam esperando por vocês, ficamos muito felizes com sua ajuda, o cheque que mandaram e a aparição dos dois aqui é muito importante, ultimamente não estamos tendo tanta ajuda quanto precisávamos.
Percebi aquela alegria se apagar um pouco. E era justamente por isso que detestava esses ambientes, tudo dentro de mim ficava tão triste quanto nunca.
— Bom, vamos lá! — Ela colocou o sorriso no rosto novamente — As crianças já estão na sala.
A moça saiu de frente do balcão e começou a andar por um longo corredor mal iluminado, seguimos ela e durante nossos passos tentei não olhar as pessoas que esperavam por atendimento. Morar em um bairro nobre me fazia esquecer um pouco em como era a diferença de classes, podia afirmar que essa parte da cidade era pouco frequentada por mim.
Paramos em frente a uma sala e a mulher nos olhou como se fizesse um alerta para a gente com os olhos, um tipo de aviso implícito.
Abrimos a porta e assim que entramos senti Morgana apertar minha mão. Certo, isso seria bem mais difícil do que eu imaginava.
•MORGANA•
𓆟 𓆞 𓆝 𓆟 𓆞 𓆝 𓆟 𓆞 𓆝A idéia de ir até um hospital que tratava justamente de crianças com câncer foi minha, por sinal já tinha me arrependido dessa decisão. Pensei que seria a melhor escolha, que Mateo teria dificuldade de se misturar em um lugar como esse, mas a realidade é que a única que não conseguia reagir sou eu.
Olhei para o homem que contava uma história para os pequenos concentrados, ele se dava tão bem com crianças que tornava uma imagem bonita de se vê. Era como se estar com crianças fosse algo que o fazia bem, me lembro de como ele tinha ficado tão assustado quando conheceu meu irmão.
Mas enquanto a mim, mal conseguia pronunciar duas palavras a elas, na verdade parte de mim se sentia assustada com qualquer mínima interação e eu nem sabia o motivo disso.
Respirei fundo e tirei meus olhos da cena linda que estava a minha frente. Me afastei passando por algumas prateleiras e tentei tirar da minha cabeça qual fosse o meu problema. Pensei que estaria livre por alguns minutos, mas foi impossível não notar o choro de criança. Olhei para o canto onde tinha um menininho chorando.
— Ah... Tá tudo bem? — Eu não sabia me comunicar com criança sem ser meu irmão.
O pequeno desconhecido ergueu a cabeça e entrei em colapso quando vi seus olhos vermelhos. Era uma criança bonita, tinha características angelicais.
— Você quer que eu chame alguém? — Perguntei sem pensar muito em uma solução.
— Como é o seu nome? — A pergunta fugiu totalmente do real problema.
— Eu sou a Morgana — Me aproximei com uma pontada de receio e me sentei na sua frente — Por que estava chorando?
— Me avisaram que minha mamãe foi para um lugar melhor — As palavras me deixaram sem reação — Isso significa que ela não vai mais ficar comigo, não é?
Não era boa em consolar pessoas da minha idade e agora estava descobrindo que era bem pior em fazer isso com crianças. Eu deveria apenas ter chamado outra pessoa.
— Ah... Acho que sim.
— Por que ela não quis me levar? Ela nem me deu tchau — Ele limpou as bochechas encharcadas de lágrimas e deitou seu rostinho na mesa.
A cena era de partir o coração e saber que ele não tinha consciência do que de fato estava acontecendo era ainda mais triste. Por que não havia ninguém com ele nesse momento?
— Bom, minha mãe também foi para um lugar melhor — Lembrei do rosto feminino que nem percebia o quanto fazia falta — Não tivemos tempo de nos despedir, sabe.
— Então ela também não te deu tchau?
As cenas de nosso último momento juntas vieram em minha cabeça. Acho que nunca criamos um laço de verdade para que eu tivesse um reação tão mal quanto ele, mas de algum jeito apenas o fato de dividirmos um laço sanguíneo já me deixava triste. Sentia falta dela, sentia falta em como eu idealizava nossa relação para algo melhor, as mentiras que contava para mim mesma para justificar sua falta de atitude.
— Não, ela não me deu tchau — Apaguei a lembrança da minha mente — Mas não foi culpa dela, assim como também não foi culpa da sua mãe não ter conseguido se despedir... Aposto que você sente saudade dela, mas não fique triste, ela foi para um lugar além da maldade desse mundo.
— Um dia eu vou voltar a vê ela?
— Sim, só espero que isso demore bastante — Ele abriu seu sorriso banguela em minha direção.
Eu não era ruim com crianças, não me sentia uma pessoa fria quando estava com elas. Mas suas felicidades genuína me deixavam abalada, gostaria de ter sido uma criança como elas. No fim eu só me sentia culpada por acordar todos os dias me sentindo um incomodo para o mundo enquanto essas crianças agradeciam por terem conseguido viver por mais alguns minutos.
Passos vieram atrás da gente e olhei para o moreno que parecia assustado com algo. Ele estava tão alheio e a vontade que poderia guardar essa imagem em uma das minhas melhores lembranças.
— Finalmente achei você! — Sua respiração estava um pouco mais acelerada do que o comum — Podemos ir, as garotas querem me maquiar e estou fugindo delas.
Eu e o garotinho nos olhamos e uma risada em conjunto nos atingiu. Não sairia desse lugar até ter a visão de Mateo sendo maquiado por criancinhas.
No final a vida se tornava um pouco mais suportável quando estava com ele e isso me assustava pra caralho.
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Nosso Segredo
FanfictionO tão sonhado, último ano do ensino médio, acaba de começar para Morgana, uma jovem impulsiva, magoada e com cicatrizes abertas que ainda não se curaram. Com novas mudanças na escola e na sua vida particular tudo se desestabiliza, principalmente qua...