Adeus

1.6K 214 40
                                    

POV LUIZA:

Quando eu e a Duda éramos mais novas, costumávamos fazer alguns pactos de amizade, coisas bobas. Como ficar juntas pra sempre, nunca deixar a outra sair usando uma roupa feia, avisar que o corte de cabelo não vai ficar bom pra outra não sair por aí com o cabelo esquisito... mas agora, tudo que eu consigo me lembrar é da vez que ela me fez jurar com a minha alma que se um dia ela tivesse um filho e algo acontecesse com ela, eu iria cuidar da criança hipotética pelo resto dos meus dias. Já naquela época eu briguei com ela por estar atraindo coisa ruim, agora eu gostaria de voltar no tempo pra poder tapar a boca dela antes da situação ser mencionada, eu faria qualquer coisa pra que isso fosse só um sonho ruim.

- Você conseguiu falar com seus pais? -- Pergunto para Valentina que modela os cachos do cabelo de Benjamin.

- Consegui.

- E então? -- Ela tem estado bem monossilábica desde o dia no hospital.

- Eles não vem. -- Ajeita o casaco no corpo do pequeno. -- Eles não se importam.

- Não fala isso, talvez só seja complicado pra eles sair do México às pressas.

Ela solta uma risada sem humor.

Assim como eu, minha amiga também já perdeu os dois pais. O pai de Duda morreu quando ela ainda era só uma adolescente, mas a mãe faleceu a pouco mais de três anos, nem chegou a conhecer o neto, mas levou minha amiga até o altar. Mais um dos nossos pactos dizia que se eu morresse primeiro ela cuidaria de tudo, mas se ela morresse antes de mim e o Igor não pudesse ou não conseguisse resolver as coisas, eu tomaria a frente de tudo e assim eu fiz.

Valentina também resolveu tudo em relação ao irmão, o único pedido que ela me fez foi que eu autorizasse a cremação do corpo de Duda, porque minha amiga e o marido gostariam de ter as cinzas espalhadas por vários pontos do Rio de Janeiro, lugares importantes pra eles.

- Você não conhece meus pais. -- Ela diz por fim. -- Mas acho fofa sua fé na existência de um bom coração no peito deles.

Pega Ben no colo e sai do quarto do pequeno rumo à saída da casa, estamos nos arrumando para o velório. Nós duas chegamos a nos questionar se seria uma boa ideia levar o pequeno para esse ambiente, mas Valentina disse que não ia sair de perto do sobrinho e que também não ia deixar o irmão partir sem se despedir, então não tinha muito a ser feito.

***

As coroas com as flores favoritas da minha amiga parecem tão pequenas, gostaria de poder colocar essas flores espalhadas pelo mundo interio, pra que todo ser vivo soubesse de sua partida e pudesse prestar suas homenagens, queria fazer com que as flores durassem pra sempre, assim como também queria poder oferecer meu coração para que minha amiga pudesse voltar, céus, como o Benzinho vai precisar dela... só de pensar meu peito aperta.

Valentina não saiu do lado do caixão de Igor, chorou copiosamente desde o segundo em que chegou. Não deixa ninguém chegar perto do meu afilhado, que nesse momento dorme com a cabeça apoiada no peito da tia, me conforta pensar que ele não está entendendo nada disso, que ele não sabe que nunca mais verá os pais.

- Me dá ele aqui, descansa os braços um pouco. -- Tento puxar Benjamin para o meu colo.

- Não preciso, quero ficar perto dele. -- Ela aperta mais o corpinho adormecido contra o peito.

- Eu também quero... -- Minha voz sai quase como um sussurro. -- Por favor.

Ela parece pensar com pesar na ideia de me conceder aquele desejo, uma de suas lágrimas escorre pela bochecha e pinga no rostinho sereno do pequeno, que aperta os olhos incomodado com a gota atrevida.

O Testamento.Onde histórias criam vida. Descubra agora