Sempre existe um motivo

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POV VALENTINA:

Nesses quatro meses desde que meu irmão me deixou, eu já tive dias ruins, já tive dias bons e com certeza já tive dias péssimos. Mas nenhum desses dias me preparou para o primeiro aniversário dele sem ele, hoje está sendo especialmente mais difícil levantar da cama, ainda bem que é quarta e a Luiza quem cuida do Ben, porque hoje eu teria a mesma utilidade de uma ameba.

Ligo cancelando todos os ensaios que estavam marcados pra hoje e me afundo ainda mais nas cobertas. Deixo o ar o mais frio que consigo, com sorte ele vai me congelar e o dia vai passar rapidinho.

Consigo escutar a movimentação de Luiza e Benjamin do lado de fora do meu quarto, mas nenhum deles parece notar que ainda estou trancada no quarto. Nesse momento Benjamin está gritando que não quer vestir alguma roupa e a Luiza argumenta que ele não pode ficar pelado na frente das pessoas, acho que ela vai sair com ele.

Não sei se a Luiza se deu conta de que dia é hoje, não a julgaria caso não se lembrasse, eu mesma adoraria poder esquecer.

- Benjamin, chega, já deu. -- Luiza usa a voz firme. -- Não tem como ficar sem roupa, vai vestir o macacão sim.

Meu sobrinho começa a chorar, na verdade, começa a berrar. Escondo a cabeça por baixo do travesseiro e me forço a voltar a dormir.

***

Acordo um tempo mais tarde com o barulho do celular tocando, é a minha mãe, mas hoje não. Hoje ela não vai aumentar minha vontade de cortar os pulsos, existem dias em que eu sou forte o bastante pra aguentar as intromissões dela, mas hoje não é um desses dias. Recuso a chamada.

Pego na primeira gaveta da mesa de cabeceira meu remédio pra ansiedade, sou capaz de ter um troço se não tomar esses remédios hoje, sei que a recomendação é um por dia, mas hoje é uma ocasião especialmente triste, tomo três comprimidos.

Não estou com fome, vou só tomar um banho até que a medicação faça seu serviço e me obrigue a ressurgir das cinzas.

Estou agindo por impulso, em uma hora eu estava sentada no chão do banheiro chorando e agora dirijo minha moto na maior velocidade que consigo alcançar em direção ao meu antigo apartamento, ficar na casa de Igor não estava me ajudando muito a sobreviver até o fim do dia.

No caminho avisto o primeiro bar onde bebi pela primeira vez com Igor, um brinde à vida do meu irmão.

***

- Boa tarde. -- Cumprimento o rapaz atrás do balcão. -- Me traz o uísque mais forte que você tiver aí.

- O copo é setenta reais. -- Ele avisa.

Coloco meu cartão sobre o balcão amadeirado.

- Pode passar cinco pra começar, débito. -- Digo.

Ele aproxima o cartão da máquina e em segundos o comprovante sai dela. Não me oferece a minha via, me devolve o cartão e sai em busca das minhas bebidas.

- Tá sozinha? -- Um velho me pergunta.

- Vamos poupar nós dois do papo furado, eu sou lésbica e tenho idade pra ser sua filha.

O velho sorri como se eu tivesse elogiado ele da forma que mais gosta de ouvir.

- Não perguntei por mim... -- Explica. -- Minha garota é bi, te achou bonita. -- Aponta para a ruiva sentada sozinha em uma mesa mais escondida.

Não sei o que acho mais esquisito, um velho feio desses estar com uma mulher daquelas ou o feio em questão estar me oferecendo a mulher dele como se oferecesse o próprio cigarro pra eu tragar.

- E a sua garota não sabe falar? -- Questiono.

- Ela é tímida, mas vou dizer que você quer conversar com ela. -- Sai rumo a mulher.

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