Prólogo

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POV LUIZA:

Eu nunca quis filhos, na verdade nunca sequer passou pela minha cabeça constituir família. Perdi meus pais muito cedo e minhas irmãs seguiram com as próprias vidas, cada uma pra um lugar diferente, mas igualmente distante de onde nossos pais faleceram. Por um tempo eu bem que pensei seguir os mesmo passos e tentar a sorte em algum lugar longe do Rio de Janeiro, mas algo sempre me fazia voltar atrás na decisão, algo sempre parecia me prender aqui.

Quando Duda, me disse que estava noiva de Igor cinco anos atrás, eu soube que precisava ficar mais um pouco, ser presente pra ela nessa nova fase, coisa de melhor amiga. O tempo foi correndo, meu trabalho foi sendo reconhecido, me apeguei aos alunos e sem ao menos perceber os anos se passaram e mais uma vez eu estava presa ao Rio de Janeiro.

Dois anos atrás mais uma amarra me fez escolher ficar, Benjamin. O menino dos olhos de jaboticaba e sorriso brilhante que veio ao mundo através de Duda e Igor fez brotar em mim um amor que eu nunca sonhei que poderia existir, eu daria a minha vida por esse garoto sem ao menos pensar antes, jogo tudo no fogo se isso garantir que ele será a pessoa mais feliz e amada que já passou por esse mundo, certamente por isso o convite para ser madrinha chegou até mim, e eu aceitei de bom grado, afinal, com convite ou não, eu seria a fada madrinha mais empenhada que esse garoto já conheceu.

- Bora cara, você consegue mais alto! -- Valentina incentiva Benjamin a escalar a janela da sala.

- Você sabe que isso é o conselho mais burro e perigoso que você poderia estar dando pra uma criança de dois anos, certo? -- Repreendo a desmiolada.

- Perdão, senhoria chata do caralho. -- Ela me xinga sem ao menos se importar com a presença do sobrinho. -- Sinto muito por estar alimentando a confiança do meu sobrinho, da próxima vez vou fazer ele acreditar que é um fracote incapaz de fazer qualquer coisa que quiser.

- Uma coisa nada tem a ver com a outra. Você pode fazer dele um garoto corajoso e garantir a segurança dele ao mesmo tempo.

- É exatamente o que eu estou fazendo aqui, caso contrário eu estaria incentivando lá do sofá. -- Sorri com sarcasmo.

- Ah, é claro. Porque você está em perfeitas condições de cuidar da integridade física dele, só bebeu quantas hoje?

- Hum... Vejamos, umas duas latas de cerveja, um shot de tequila com os meninos e se eu não estiver enganada, devo ter cheirado umas duas carreiras de pó... -- Ironiza. -- Mas fica tranquila, o Benzinho me acompanhou nessa última, eu jamais deixaria ele sozinho, sabe como é né? Responsabilidade e tal...

- Há há, como você é engraçada.

- É o que costumam dizer mesmo.

Valentina é a típica filhinha de papai que tem tudo que quer na mão, nunca precisou se preocupar com nada na vida, não parece conseguir passar mais que alguns minutos sem uma garrafa de cerveja na mão, da pra imaginar minha surpresa quando descobri que Igor tinha a escolhido como madrinha para o Benjamin também, sempre que vejo meu afilhado sozinho com ela todo meu corpo fica em alerta.

- PUTA QUE PARIU! -- Eduarda grita da cozinha. -- Por que raios meu filho tá quase dependurado no teto como o homem aranha?

Meus olhos sobem pela janela da sala que vai do chão até o teto, cerca de uns 2 metros e meio de altura. Ben está agarrado nas grades como um bicho preguiça e sua cabeça quase toca o teto, sei que ele está achando o máximo toda a aventura porque não para de soltar gritinhos agudos de empolgação.

- Santo Cristo... -- Valentina cochica.

- Tá vendo só a merda que você fez? -- Esbravejo.

- Você que veio tirar minha atenção, a culpa é sua.

- Ah, é claro...

- Da pra parar com isso vocês duas? -- Igor surge na sala com uma escada de ferro branca, posiciona em baixo de Benjamin e sobe para alcançá-lo.

Meu coração parece que vai sair pela boca, minha amiga parece ter perdido a força nas pernas já que não saiu do lugar até agora e tudo que ela faz é juntar as mãos em frente ao peito em uma oração silenciosa. Ao meu lado Valentina da uma golada generosa na cerveja e coça a nuca visivelmente inquieta, acho até que a vi empalidecer.

Assim que Igor consegue desgrudar a criança da grade, gira o corpo em direção à Valentina para que ela segure meu afilhado, facilitando sua descida da escada. Antes mesmo que Valentina termine de se livrar da garrafa de cerveja que tem nas mãos eu já estou aos pés de Igor com os braços esticados para o alto para segurar Benjamin, que não apresenta qualque resistência e se joga em colo.

- Vocês precisam parar com isso. -- Duda começa o sermão caminhando em minha direção para tomar o pequeno de mim. -- Toda vez é essa mesma novela, ninguém aguenta mais essas brigas bestas de vocês.

- Ela acha que ama mais meu sobrinho que eu, que quer mais o bem dele que eu. -- Valentina choraminga.

- Ah, faça-me o favor... você vive colocando ele nessas furadas, qual a próxima? Vai mandar ele pular da ponte pra aprender a nadar? -- Eu não tenho um pingo de paciência com essa ridícula.

- Talvez eu ensine ele a te empurrar de uma... -- Revira os olhos.

- Gente, sério? -- Igor se posiciona entre nós duas. -- vocês duas tem o que? Doze anos?

- Ela tem menos, com certeza.

Sei que posso estar exagerando um pouco, mas ela consegue me levar a nível altíssimos de estresse em poucos segundos.

- É o seguinte, eu e o Igor escolhemos vocês duas como madrinhas porque sabíamos que iriam sempre oferecer o melhor que pudessem pra ele. Vocês acham que o melhor pra ele é ver as duas pessoas favoritas dele brigando a cada segundo do dia? -- Duda nos encara, mas não dá tempo para resposta. -- Vocês não precisam se amar, mas pelo amor de Deus, pelo menos tentem não implicar tanto uma com a outra, ninguém aguenta mais.

- Eu e a Duda confiamos o nosso maior bem a vocês duas, preciso ter a segurança de que ao menos pelo bem do meu filho, vocês duas tenham a capacidade de trabalhar em equipe. -- Igor esfrega a testa como um pai faria se tivesse que apartar briga dos filhos o tempo inteiro. -- Que Deus não permita, mas se eu e a Eduarda não estivermos aqui, quero poder acreditar que nosso filho estará em boas mãos e que vocês não vão se matar na primeira semana.

- Aí Guigo, que papo mais mórbido. -- Valentina tem pavor nos olhos. -- Vocês não vão a lugar nenhum.

- É gente, para com isso. -- Pela primeira vez em tempos concordo com a maluca.

- A gente nunca sabe o dia de amanhã. -- Duda nos lança um olhar sério.

Valentina e eu nos mantemos em silêncio, sempre que as coisas fogem do controle e a gente acaba perdendo a mão nas brigas, fica esse clima horrível, me sinto uma adolescente sendo repreendida pelos pais.

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