"As desavenças não durariam muito se o erro fosse só de uma das partes."
François de La Rochefoucauld
Depois da nossa primeira viagem, minha vida degringolou ladeira abaixo.
Outras experiências torturantes se juntaram a ela, seguindo o mesmo padrão do sr. Asimov. Sua rotina entregava os tipos de regularidade e monotonia pelos quais eu colocaria uma vassoura atrás da porta só para a visita ir embora.
Para a tristeza geral da nação, eu não conseguiria dispensá-lo nem à base de superstição. Precisava dele ali, com sua língua de ouro, seduzindo os acionistas com suas palavras difíceis, e aparência de homem de família, todo engomadinho e sempre disposto a agradar.
Com a recorrência das viagens, outro de seus hábitos começou a me dar nos nervos. Além de se oferecer para carregar minhas malas depois de quase ter um treco durante o trajeto de avião — tremendo, abalado como o diabo, mas querendo pagar de macho alfa —, sentia a necessidade de performar um cavalheirismo extremo.
Com seu jeito descarado e sorrisos quase inexistentes, segurava portas, puxava cadeiras, cedia a vez de passar e afins. Falso feito nota de 3 reais. Contudo, enganava quem olhasse de longe. Cativava ainda mais os acionistas e seus chegados.
A pior parte: eu nem podia reclamar. Seu teatro de bom moço rendia benefícios às empresas. Em verdade, se ele fosse uma pessoa um pouquinho melhor, eu agradeceria pela força. Mas não era o caso.
Aquela criatura não me enganava. Nem mesmo quando vinha com seus cavalheirescos beijos nas mãos, que eu aceitava para evitar confusão em meio a quem garantia meus lucros no fim do mês.
Andava tendo sorte nas finanças, coisa pela qual eu transbordava gratidão. Agora no amor... Aí estava o desastre.
Não somente a nuvem de azar no departamento de romance pairava sobre a minha cabeça, eu também precisava testemunhar a felicidade alheia para, apesar da positividade envolvida, sentir aquela pontada de inveja.
Daqui a uma semana eu assistiria ao casamento da minha prima na primeira fileira. Torcia para tais sentimentos não se criarem e as emoções boas tomarem conta de mim. De preferência, sem me fazer chorar.
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Destino MotoCiclista
Roman d'amour+18 | Completo | Há quem acredite em providência divina, propósitos ocultos. Igor Asimov não é uma dessas pessoas. Para ele, as certezas alheias não passam de ilusão e a vida é um grande palco de improviso, com algumas coincidências vez ou outra. Ma...