14 • Área com desmoronamento

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"O esquecimento, frequentemente, é uma graça. Muito mais difícil que lembrar é esquecer!"

Rubem Alves

Exagerei (e muito) na dose

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Exagerei (e muito) na dose. Esse foi meu primeiro e certeiro pensamento ao acordar.

Lembrava-me parcialmente do que acontecera na noite anterior.

Primeiro, aquele desastre em forma de noite começara com um grande deslize: Fernanda marcou de sair comigo e acabou saindo com o primeiro macho no qual bateu os olhos. Fiquei para escanteio quando ela foi embora.

Nunca tive desenvoltura no campo da sedução. Achava difícil chegar em alguém fosse onde fosse. Na noite mesmo, a situação complicava. Requeria o bom e velho empurrãozinho, uma espécie de conluio para arranjar um homem interessante.

Dada a falta de talento para me virar por conta própria e a ausência um braço direito para desenrolar com um candidato adequado para sexo ocasional sem o mínimo de compromisso, minha empreitada desandou. Tornou-se a soma da fome com a comida trancada em um armário alto demais para o meu gosto.

Isso sem falar na produção por trás do meu movimento arriscado. No look diferente, decotado, provocante, inútil. Maldita fosse a hora na qual concordei com aquela loucura! Puta, cheia de ódio, queria mesmo beber para esquecer.

Contudo, aparentemente, eu não havia esquecido o suficiente.

Lembrava do Asimov na mesma boate, ao meu lado, juntando-se a mim para ser meu parceiro de copo. Lembrava de quando a conversinha mole dele terminara em uma preocupação que, por um instante, me pareceu sincera.

A princípio eu quis enxotá-lo. Soltar um "que te importa?", mandá-lo ir pastar noutro canto. Ele não tinha nada a ver com minha vida pessoal. Não era porque nos suportávamos (em prol da parceria comercial) no ambiente profissional que precisávamos conviver (especialmente em vista de nossa desarmonia) fora dele.

Muito menos precisávamos ser amigos ou agir como se nos importássemos com os sentimentos um do outro. Esse tipo de fingimento não caía bem para nós. Exceto naquele momento. A preocupação de Igor, falsa ou não, caíra como uma luva.

Há tempos ninguém além dos meus familiares se importava o suficiente para perguntar a quantas andava a minha vida afetiva. Nem mesmo o término gerara tanta comoção entre meus amigos e conhecidos.

Amanda — falarei de mim em terceira pessoa, pois foi assim que me senti naquela hora; como uma outra, uma estranha — era uma ótima companhia para rodas de debate, saraus de poesia, clube do livro, atividades ditas intelectuais. Na hora da diversão? Só perdido. Desculpas e mais desculpas.

Encontrar uma pessoa disposta a conversar comigo, aparentemente interessada no que eu tinha a falar, disposta a me fazer companhia, girou uma chave dentro de minha mente. E o processo de reanimação da carcaça se tornou ainda melhor quando ele propôs venenos de verdade, bebidas fortes, capazes de aquecer a garganta e esfriar a cabeça.

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