24 • Pista sinuosa

253 40 8
                                    

"Tínhamos tantos dias pela frente para mergulhar um no outro, para beber-nos e acariciar-nos, os sexos e as bocas e cada poro e cada brincadeira e cada espasmo e cada sonho enovelado e murmurante."

Julio Cortázar

Aquele abusado me presenteara com um biquíni fio-dental dias atrás

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Aquele abusado me presenteara com um biquíni fio-dental dias atrás. Como um bom samaritano, arriscou-se na tentativa de garantir variedade ao repertório de roupas de banho da pobre mulher cuja coleção de maiôs parecia infinita.

Heroico.

Quando retornei ao apartamento e tive essa surpresinha, quis bater em sua porta, botá-la abaixo, se preciso fosse, enfiar os pedaços de pano em sua boca e fazê-lo engolir aquele presente de grego.

Caso ele não tenha notado, andar por aí seminua não é a minha praia.

Eu era aversa à ideia, e não por ter vergonha do meu corpo ou não gostar de usar roupas mais curtas e leves, muito pelo contrário, aprendi a arte da autoaceitação ainda criança. Painho me ensinara lições valiosas para tanto, garantira que eu me enxergasse exatamente como era. Amasse a mulher do outro lado do espelho.

Não tinha a ver com autoestima. Nunca teve. Os olhares eram o problema. Sempre me incomodavam. Com o início da adolescência na reta, eles surgiram pouco a pouco, causando um desconforto sutil, inespecífico, até culminar em situações desagradáveis. Em uma situação que extrapolou o meu conceito de desagradável.

Aos 17 anos, quando eu ainda cursava a faculdade e sonhava com meu MBA, comecei minha trajetória na empresa como estagiária. Seguia meu pai para cima e para baixo com o objetivo de extrair cada gota de conhecimento e experiência que ele fosse capaz de me transmitir enquanto eu não assumisse meu cargo definitivo.

Tempos atrás eu era outra pessoa. Além de uma adolescente imatura que ingressara precocemente na universidade, eu era uma sonhadora, vivia no meu mundinho ideal onde o copo sempre estava meio cheio e as pessoas tinham boas intenções.

Também agia diferente, conduzia meus modos de maneira mais despreocupada, vivia mais leve e transparecia isso até nas roupas. Celebrava a memória da minha mãe não somente através das cores vibrantes e estampas distintas. A vivacidade de mãinha estava em igual medida nas formas, nos cortes e decotes. Ela morava em algo essencial para mim e insignificante para os outros em tese.

Quanta inocência.

Um dia, painho me confiou a tarefa de assumir uma reunião com um potencial investidor. Maquiei-me, pus meu turbante mais bonito, usei meu melhor vestido, empenhei-me para estar apresentável. Apresentei-me até demais.

O homem que recebi na sala de reuniões, um senhor já de certa idade, fitou-me de um modo diferente desde a primeira vista. O incômodo só piorou ao longo da reunião e alcançou seu ápice com o término dela, quando cantadas indecorosas tomaram o lugar das esperadas dúvidas de alguém interessado em fazer negócios.

Destino MotoCiclistaOnde histórias criam vida. Descubra agora