27 • Semáforo à frente

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"Sabe... me interesso especialmente por pessoas que leem."

"Born Yesterday" (1950), dir. George Cukor

Quando a manhã chegou percebi que acontecera algo inusitado: eu continuava sobre a cama dela

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Quando a manhã chegou percebi que acontecera algo inusitado: eu continuava sobre a cama dela. Em algum ponto havia adormecido — por justa causa. Amanda drenava minha energia da melhor maneira possível.

O barulho característico de chuveiro ligado denunciou que ela estava no banheiro.

Revirei-me na cama com o objetivo de realizar minha sequência rápida de fuga: catar as roupas, escrever um bilhete de agradecimento e ir embora antes de ela terminar o banho.

Para me contrariar, algo acabou com meus planos. Enquanto catava minhas roupas, bati o olho num curioso elemento próximo a mim: um livro sobre a mesa de cabeceira. Com uma súbita curiosidade, peguei-o e analisei minuciosamente — trazendo-o para perto, lutando contra a miopia.

— Villalobos — enunciei o título baixinho, para mim mesmo.

Sentei-me novamente, abandonando a evasão e pegando os óculos do bolso do paletó, onde ficavam cuidadosamente escondidos (detestava perturbar a harmonia do meu rosto com eles e, no geral, me virava com as lentes de contato, mas certas ocasiões não combinavam com lentes).

Analisei a capa. Um homem de camisa social, sangue... Sei não. Será que ela curte esses livros de apologia?

Só sei que eu tô dentro se ela tiver afim.

Abri o livro, percorri as folhas rapidamente, sondei, por alto, o contexto da história e parei numa página aleatória. Acomodei-me e comecei a ler.

"De alguma forma, eu me simpatizo pela Fera. — Digo quando passa uma cena em que o personagem se irrita quando a mocinha não quer jantar com ele."

"Está me dizendo que acha legal ele querer forçá-la a fazer o que não quer? —Ergue um pouco a cabeça e foca em meu rosto com uma expressão zangada."

"Não, isso não. Me simpatizo pelo fato de ele não conseguir expressar suas emoções corretamente. Passou tanto tempo sendo uma fera que acabou perdendo sua humanidade. É isso que quero dizer." *

Hum. Então é um romance... romance. Franzi os lábios, ainda intrigado. Quem diria? Arqueei as sobrancelhas ao chegar à conclusão de que não haveria apologias nem cusparadas, tapa na cara ou troca de xingamentos na hora da putaria. Nunca julguei os três últimos.

Notei a movimentação dela, enrolada numa toalha, atravessando o quarto para ir se vestir (e cometer um crime hediondo). Para freá-la antes de o acidente acontecer, provoquei-a.

Eliza, não sei quantos segundos, me encara profundamente e, então, separa os lábios umedecendo-os com sua língua rosada. — Li em voz alta. Divertiu-me o quanto ela se constrangeu de imediato.

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