39 • Cruz de Santo André

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"Eu nunca senti essa necessidade insuportável da presença de alguém, essa necessidade a cada minuto. Seu corpo contra mim, seus braços em volta de mim, seu cheiro, seu olhar, seu sorriso, seu rosto — seu lindo rosto, querida que eu possa descrever, detalhe por detalhe."

Albert Camus

Albert Camus

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Escolhê-la. Torná-la minha prioridade. Matutava muito sobre a ideia. O pensamento pairava em minha cabeça. Constante. Insistente. Com razão.

Ela não me pedira com todas as letras. Nem precisava. Seu incômodo deixara isso subentendido. Depois de termos dado um tempo — castigo cuja duração repercutiu da pior maneira possível — e voltado a todo vapor, os sinais ficaram mais claros.

Ela também jamais exigiria de mim um sacrifício desses. Não fazia seu perfil. E eu apreciava essa faceta de Amanda. Não somente por ela ser fiel ao próprio jeito orgulhoso de ser, teimosa ao ponto de não admitir que precisa de algo, também a admirava por respeitar minha autonomia e julgamento — embora ambos me levassem a divergir de suas expectativas.

Exclusividade nunca foi meu forte. Isso eu nem precisava dizer. No entanto, ela merecia mais do que eu estava oferecendo. Muito mais.

Ela estava tolerando o próprio desconforto por mim enquanto eu estava no ápice do conforto. Sentia-me o rei do mundo com uma mulher belíssima ao meu dispor e uma lista de tantas outras para desfrutar quando não estava com ela. Parando para analisar, não me parecia uma situação justa.

Eu levava o bônus do conforto de ter tudo nos conformes. Ela levava o ônus de ficar com um cara incapaz de satisfazer os pré-requisitos mínimos, os desejos mais simples. Desejos estes que eu captava ao ler as entrelinhas de suas falas e ações.

Um descompromissado feito eu jamais transmitiria credibilidade ao atribuir algum apelido carinhoso, independentemente de qual fosse. Apesar de a intenção ter sido nobre — eu, de fato, queria demonstrar que ela merecia afeto e reconhecimento —, o tiro saiu pela culatra.

A mulher se virara para mim com sangue nos olhos, tinindo para me expulsar, ou coisa parecida, e, ainda por cima, foi embora sem nem me dar uma chance de pedir desculpas pelo equívoco.

Precisava confessar, entretanto, que quase perdi as estribeiras nessa hora, por não me atentar às nuances do seu acesso de raiva. Grande parte da minha ignorância quanto ao seu estado de espírito derivava do meu enorme desinteresse por sentimentos mais profundos.

Apesar de Amanda atingir-me em um nível mais fundo, eu preferia a superficialidade dos momentos de prazer. Menos complicações, menos aperto de mente. Sem relacionamento exclusivo, sem toda a cadeia de eventos que uma relação séria implicava. Nada de amarras quanto ao que se fazer ou dizer.

Em nome dessa liberdade de expressão, por assim dizer, traduzia minhas sensações mais brandas para palavras simples despretensiosamente. Podia falar com tranquilidade: até o presente momento, nunca havia imbuído segundas intenções naquelas expressões.

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