35 • Serviço mecânico

222 36 8
                                    

"É errado, portanto, censurar um romance que é fascinante por suas misteriosas coincidências (...) mas é certo censurar o homem que é cego a essas coincidências em sua vida diária."

Milan Kundera

O mêsversário de casamento do Vacchiano seguia a todo vapor

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

O mêsversário de casamento do Vacchiano seguia a todo vapor. Luciana, além de estonteante e inteligente, sabia dar uma boa festa como ninguém. Música alta, carne no ponto, bebida sempre nos copos, tudo na mais perfeita ordem. Tudo, menos eu.

Transtornado pela má experiência com a psicóloga, nem na festa consegui relaxar. Vacchiano, com seu olhar analítico, logo notou minha inquietação e procurou saber o que tanto me incomodava. Puxei-o para um canto mais sossegado, onde ficaríamos longe dos curiosos.

— Entrei em abstinência — contei-lhe, assim que o barulho da festa ficou para trás.

— Voluntária ou forçada? — Ele se sentou numa poltrona e me indicou a outra, na qual despenquei, exausto.

— Adivinhe — sugeri, desanimado.

— Como? — Ele voltou-se para mim com um semblante impassível.

— A dona Encrenca — revelei.

— Sua vizinha-chefe? — Arqueou a sobrancelha.

— Parceira de negócios — corrigi-o. Vacchiano tinha um senso de humor diferenciado, menos escrachado, por vezes irritante. Entretanto, era o único amigo evoluído o suficiente para lidar com essa confissão.

Quando eu digo evoluído, falo de outro nível. Não fazia ideia de como ele mantinha aquela postura de monge enquanto metade dos convidados secavam a mulher dele na cara dura.

— Como queira. — Ele sorriu discretamente. — Rolou alguma coisa entre você e sua parceira de negócios?

— Algumas coisas. Muitas coisas. Intensas — confessei-lhe. — Agora, aparentemente, fiquei seletivo até demais.

Vacchiano sacudiu a cabeça em sua compreensão silenciosa.

— Não deu pra eu continuar me entupindo de Viagra, forçando a barra. Ainda não tô na idade, é demais até pra mim. Então saí de jogo. — Suspirei, subitamente sentindo meu corpo pesado. — Daí tô igual a todo ex-viciado: na fissura, irritado e quase jogando o orgulho na lixeira só pra me ajoelhar aos pés dela e mendigar uma migalha de boceta pra um cidadão necessitado.

Ele me serviu uma dose de whisky. Tomei tudo num longo gole.

— Não sei mais o que faço — admiti. — A mulher me dá nos nervos, representa tudo que odeio, mas, pelo visto, não consigo funcionar sem ela.

— Asimov, Asimov... Tem certeza de que a detesta? — Levantou a dúvida aos modos da psicóloga.

— Tá bom, que seja. Nem tudo é detestável. Ela tem um ótimo gosto musical, é sagaz, é uma boa líder, tanto que os funcionários a tratam como se ela fosse uma divindade... Talvez ela seja, se porta como uma, é bondosa com os outros como se fosse.

Destino MotoCiclistaOnde histórias criam vida. Descubra agora