4 - Empatia.

1 0 0
                                    

Porcelana tinha matado aula aquele dia. Não conseguiu passar da esquina da sua rua. Agora estava parada nela, segurando o guarda-chuva transparente enquanto olhava para a chuva que caía. Viu o carro da sua mãe saindo em alta velocidade, e sentiu um aperto no peito por saber que ela iria brigar quando descobrisse que tinha faltado a escola. Seu padrasto ia chorar. Talvez o choro silencioso doesse mais do que o grito. Ela não sabia. Ninguém nunca tinha feito isso na sua frente, para acusá-la. Os gritos e os choros se concretizavam mais tarde, na cozinha, quando os dois achavam que a menina estava dormindo, quando na verdade estava fazendo silêncio para ouvir por trás da porta.

"Porcelana não foi pra escola hoje, de novo! Que tipo de pai é você?" conseguia imaginar a voz da mãe perfeitamente.

"A culpa não é minha..." e ouvia os soluços do padrasto na sua imaginação.

E, por mais algum tempo, lembrou das discussões entre os dois. Até que uma ventania jogou as gotas de chuva para o seu rosto, e a reação automática a fez despertar do mundo das ideias.

— Ah! — ela fechou os olhos.

Resolveu voltar para casa. Pelo menos lá ela tinha torradas, uma cama quente e proteção da chuva. Voltou andando, e flagrou o exato momento em que os dois homens da casa estavam saindo. Ainda estava longe quando eles chegaram na calçada, e por isso não a perceberam. Porcelana estranhou sua mãe andando separada de seu padrasto. Não conseguia imaginar um motivo.

Quando desviou a atenção do pai e prestou atenção na alta e larga figura atrás dele, notou que era Amaldiçoado que estava saindo. Teve vontade de sair gritando de alegria pela realização do meio-irmão, mas temeu que ele se assustasse com tamanha comoção repentina. Então se contentou em segui-los de longe.

...

Já na estação de trem, o pai pagou para si e para o seu filho passagens para o próximo trem. O dinheiro que sobrou foi para pagar uma sopa, que os dois dividiram. Amaldiçoado sentiu, pela primeira vez em muitos anos, empatia. Amou o pai e quis que ele continuasse por perto. Quis protegê-lo. Proteger aquele coração covarde e bondoso da crueldade daquele mundo chuvoso.

Porcelana os observava de longe, sem fome. Não entendia o que estava acontecendo.


A Cidade do SolOnde histórias criam vida. Descubra agora