— Mãe. — chamou Porcelana, ao ver as cadeiras da cozinha vazias, mesmo sendo de manhã.
— Diga. — Nazaré limpava um dos pratos com um pano úmido, já que a água estava fria demais.
— O que aconteceu com o padrasto e Amaldiçoado? — esquecera do vagão e da imagem do pai esmagado, para seu próprio bem.
— Eu os mandei embora. — confessou a mãe.
— Por quê? — inocentemente, perguntou.
—... Sei lá, deu vontade. — "ela é muito inocente para entender" pensou.
— Oh.
E terminaram as torradas em silêncio.
...
Naquele mesmo dia, durante a aula, Porcelana percebeu uma ansiedade nova, em uma das suas colegas. Resolveu então perguntar para ela o que a afligia.
A moça, da mesma idade de Porcelana, encarava as altas janelas de vidro que ficavam no lugar das antigas paredes de concreto dos corredores. Os arquitetos pensaram que ficaria melhor. E ficou mesmo.
— Oi, Inocência! — Porcelana invejava tanto o nome dela... Mas não podia deixar isso transparecer.
— Olá. — Inocência encarou Porcelana por um breve instante, e voltou a atenção para a janela.
Inveja daqueles cabelos pretos mas cacheados... dos olhos violeta... do vestido roxo de lã com mangas longas e gola alta... da legging preta... dos tênis bege... e de como tudo isso mostrava de um jeito sutil o corpo bonito que ela tinha.
— Algum problema? — Inocência percebeu o olhar queimando de inveja.
— Oh, sim. — Porcelana se recompôs. — Você está bem?
— Claro, por quê? — ela tinha vontade de dizer "claro, só você que não parece bem".
— Você parece ansiosa por alguma coisa. É a primeira vez que te vejo assim.
Inocência, que de inocente não tinha nada, encarou a moça com desconfiança.
— Desde quando você me observa?
—... — Porcelana se arrependeu das suas palavras. Então se esqueceu delas. — Ora, que?! Só percebi isso hoje.
— Ah, sim... — e Inocência se fingiu de inocente mais uma vez. — É que vou viajar amanhã.
— Oh!! Pra onde?
— Pra Castle Hill. A "cidade aglomerado".
— Vai se mudar?!
—... Digamos que sim.
E não houve mais conversas entre elas, durante aquele dia. Mas Porcelana ficou curiosa. Nunca tinha saído da sua cidade de muros, além da vez com Amaldiçoado e Adilson. Talvez aquela fosse sua oportunidade...
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A Cidade do Sol
Science FictionEm um continente que só chove, o sol é a única esperança. Desde que os céus fecharam, as vidas dos habitantes de Belarus se tornaram frias e sem sentido. Numa busca desesperada por propósito, adolescentes começam a desenvolver o que chamam de "maldi...