Capítulo 17

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Clara

Após o banho, faço uma pequena rebelião, colocando um shortinho jeans e regata. Torço o nariz também para o guarda-roupas completo que foi entregue ainda ontem para mim.

As melhores grifes estão aqui, à minha disposição. No entanto, prefiro minhas roupas velhas e um confortável par de Havaianas. Desço para explorar a casa sem a presença ameaçadora da sua dona. À tarde irei visitar meu pai no hospital. Quero ir vê-lo todos os dias. Quando a ditadora me permitir estar na cidade, claro. Eu bufo, empurrando a primeira porta depois de um imenso corredor no térreo. É uma biblioteca.

- Uau! – exclamo baixinho e entro no cômodo suntuoso. Paredes altíssimas, com estantes a perder de vista, me saúdam. Os móveis são todos em madeira de lei, os estofados cremes, com almofadas negras. Ando devagar, suspirando, já antevendo que este será um bom local de refúgio.

Amo ler. O balé e a leitura são minhas duas fugas desde pequena. Como não terei um estúdio por aqui para me exercitar, essa biblioteca foi uma grata surpresa. Avanço até a primeira estante e corro os dedos pelos exemplares, lendo os títulos com interesse. Essa sessão é de política. Platão, Maquiavel, entre outros nomes clássicos, estão à vista.

Avanço um pouco mais, para a próxima sessão. Poesia lírica. Não seguro um bufo incrédulo, duvidando de que Helena  já tenha lido algo dessa sessão. Sigo minha exploração ávida até a sessão de literatura, rindo levemente quando vejo alguns títulos que já li: Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez; Dom Casmurro, Machado de Assis; A Metamorfose, Franz Kafka; e outros que estavam na minha lista para esse ano, como o Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger, por exemplo. Pego o exemplar de Metamorfose, notando que está bem manuseando. Algo cai de dentro das páginas. Parece um pedaço de uma foto.

Me abaixo e pego-o. São duas meninas. Helena  e Lilia, reconheço os olhos azul-gelo na foto. Mesmo em tão pouca idade, sua expressão já era assustadoramente fria, sem vida, como se pouco se importasse com quem estava registrando o momento.

Franzo o cenho, percebendo que Lilia não está sorrindo nessa foto. Desdobro o canto rasgado, notando um sapato feminino, alto e elegante. A mãe delas? Seus pais morreram tragicamente em um acidente de avião, há muitos anos. Quem rasgou essa foto? Helena  ou Lilia? E se era a mãe, por que a arrancaram de forma tão desrespeitosa?

Meu celular toca no bolso traseiro do short, me assustando. Guardo a foto dentro do livro novamente e pego o aparelho, gemendo quando vejo o visor: é Winona

Estou ignorando as duas mulheres desde nosso último encontro no hospital, Elas queriam vir ao casamento, porém, Helena  foi categórica ao deixá-las de fora. Terei de conversar com as vacas em algum momento, embora. Winona falou sobre problemas financeiros.

Preciso entender melhor a situação em que se meteram, nos meteram. Se elas tiverem acabado com as economias do meu pai, o que vou fazer quando essa farsa de casamento terminar? Para onde vou? O que farei da minha vida? Atendo-a, decidindo não prolongar mais essa conversa.

- Winona. – digo em tom frio, indo até a parede de vidro. Há uma vista privilegiada para o jardim e o lago daqui também.

- Oh, Clara , minha filha, graças a Deus! – sua voz é excessivamente alegre do outro lado. – Como você está, querida? Eu e sua irmă ficamos tão preocupadas quando aquela mulher cruel barrou nossa entrada para a cerimônia ontem. – eu rolo os olhos. – Ela não machucou você, não é? Sabe que pode contar para nós. Somos sua família e estamos aqui, não importa a má vontade de Helena . Estamos aqui para lhe apoiar.

Quero gritar para me deixarem em paz, só que os desaforos ficam presos em minha garganta. Me recrimino por ser tão covarde e permissiva com elas desde o começo. Queria tanto que sua preocupação comigo fosse real. Que eu tivesse de fato, alguém com quem contar. No entanto, é impossível acreditar depois de uma vida sendo maltratada por elas. A única pessoa que me ama e faria qualquer coisa por mim é Priah, mas, minha amiga está bem longe. Além disso, é só uma menina, como eu. Não pode me ajudar. Ninguém pode me ajudar. Só terei uma vida novamente quando der um filho a Helena . Suspiro com desgosto.

- Obrigada. – digo, entalada, - Ela não me machucou. – Ouço uma expressão de choque, então, Mah assume

A ligação: além de chocado

- Como?! Ela não te machucou? – seu tom parece, raivoso. – Eu jurava que ela era uma bruta total... – suas palavras morrem, então, seu tom suaviza: - Graças a Deus, Mills. Estávamos tão preocupadas, com medo de ela machucá-la em sua primeira vez, querida.

- Ela foi até cuidadosa, eu diria. - digo sem ánimo, querendo encerrar logo essa ligação.

- Uau, quem diria, hein? - há novamente um toque velado de raiva em sua voz. - Ela é apenas uma mulher, afinal. Talvez tenha ficado sensibilizada de certa forma. Você não é tão bonita quanto eu, mas, era virgem. Os homens e as mulheres tendem a ficar todos bobos diante de uma boceta intacta. - Suas palavras vulgares e venenosas me lembram da velha Elodie. Ouço um zumbido e em seguida, a voz de Winona soa em meu ouvido:

- Ela deve estar encantada por você, filha. - diz com empolgação.

- Confie em mim, ela não está. - nego.

- Claro que está. Por que não estaria? Você é uma menina bonita. - Seu tom é conciliador dado o deslize de Elodie.

- possui uma beleza diferente de sua irmã, entretanto, é perfeitamente capaz de colocar a toda poderosa de joelhos.

- Eu duvido disso, - nego novamente, já de saco cheio dessa conversa.

Ela ri de forma suave. Devem estar muito desesperadas para estarem me cercando dessa forma.

- Vamos te ajudar a conquistar a Helena  Weinberg , querida. Mas, terá que nos levar para dentro da mansão, para podermos apoiá-la, estar mais perto, entende? Estou morrendo de preocupação por deixá-la aí, sozinha, à mercê dessa mulher sem coração. – suspira melodramática. – Seu pai não iria me perdoar se a deixasse desamparada. – Meu coração dói com a menção do meu pai. Ela não tem escrúpulos em usar sua situação para me comover.

Estou seriamente desconfiada do acidente que o deixou naquele hospital. Na época não questionei e não pensei muito. Logo, Winona me exportou para os Estados Unidos, porém, ultimamente tenho pensado em contratar um detetive particular, ou algo do tipo para investigar tudo para mim.

A polícia investigou no começo, mas, acabou confirmando a versão de Winona, de que foi apenas um infeliz acidente. Como vou fazer isso? Não tenho recursos. Não tenho contatos. Talvez... Eu abano a cabeça. Não, Helena  não me ajudaria. Por que faria algo bom para mim?

- Helena  não quer ninguém por perto, Winona. – digo, forçando meu tom mais firme. – Ela é uma pessoa muito reservada, como já deve ter percebido. – ouço um gemido de desgosto do outro lado, Além disso, tirem da cabeça, essa ideia absurda de tramar contra uma mulher como a Helena , aviso-as. – Ela já mostrou que não perdoa deslizes, Por isso estou aqui, pagando essa maldita dívida. – isso a deixa em silêncio por uns instantes.

- Eu sei, querida. Posso imaginar o quanto isso está sendo difícil para você. – volta ao tom conciliador.

- Que tal almoçarmos amanhã? Vamos discutir tudo com mais calma.

Está bem. Concordo para me livrar.

Oh, perfeito! – seu tom volta à euforia. – Vou fazer as reservas naquele restaurante chiquérrimo que inaugurou no mês passado. A senhora Weinberg precisa começar a circular. Eu e sua irmã vamos ajudá-la, não se preocupe. – Eu rolo os olhos.

- Eu preciso desligar agora, Winona. – desligo, não lhe dando tempo para replicar.

A Dívida - Clarena ( Adaptação)Onde histórias criam vida. Descubra agora