Capítulo 41

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O vazio das palavras não ditas.


dois anos atrás.

Eu vou sentir muita falta do meu quarto. As estantes abarrotadas de livros, as plantas na janela, o piso de madeira, o teto de estrelas pintado por mim, minhas colchas de lã pesada, minha janela ao lado da minha cama que emperra todas as manhãs, minha cortina branca que fica fazendo cócegas no meu nariz... Minha mãe disse que nosso apartamento em Seoul terá o mesmo estilo, mas não será igual.

Depois da minha conversa com Emijya, simplesmente não consigo acreditar no que é e o que não é. Parei de reclamar da viagem e me concentrei na mudança; parei de falar com as outras que não parecem sentir minha falta, que sequer se despediram de mim, nem um adeus, no meu último dia de aula da semana passada; talvez Emijya esteja certa, e eu queira apenas ser a vítima. Sempre.

Já ela, não vejo há alguns dias, ela passa reto por mim, me ignora ou ainda passa todo o tempo retraida, sozinha. E eu fico na minha cama.

Mas hoje, não importa se a verei ou não, me despedirei da cidade e começarei a pensar na primavera em que vou voltar.

Empurro a porta de madeira do meu quarto, carregando a última mala de mão pesada que parece ser feita de madeira e olho em volta; tá tudo em pacotado: livros, eletrodomésticos, roupas que não vamos levar, os móveis estão cobertos com uma capa branca, os vasos de plantas que ficavam por todos os lados, já estão na casa da vizinha, as janelas já estão lacradas, há proteções em todos os lugares para caso de goteiras.

Nem parece o lugar colorido onde eu cresci.

- Está pronta Ella? - minha mãe desce a escada e ao chegar no final olha pra cima, sua blusa branca está cinza, provavelmente por conta da poeira, o cabelo ondulado solto e a calça preta skinny um pouco brancos.

- Já peguei tudo, só tava arrumando essa mala - ela volta seu olhar para mim, põe as mãos na cintura e sorri.

- Aqui tá diferente né? Foram muitos anos...

- Haram - caminho até uma das paredes onde há um espelho que ainda não foi coberto e me olho, seguro minha mala com ambas as mãos, minha calça branca jeans folgada e meu casaco branco de xadrez verde, combinam com o coque que fiz para tentar esconder meu cabelo, mas não adianta muito, ele já está praticamente todo branco.

Ela sai do pé da escada e me encara pelo reflexo.

- Um novo país vai ser bom.

- Vai sim - percebo, pela primeira vez, que pela forma como ela olha o prédio, de que a própria também está tentando se convencer disso.

- Ah, lembrei de algo - como num piscar de olhos, ela vai para um ponto atrás da grande estante preta. A sigo.

- Qual desses vai querer levar? - ela aponta para várias fotografias emoduradas, a mais brilhante sendo a que tirei a poucos dias em Roma, e vários quadros, todos meus, quadros de flores, paisagens, animais e o meu preferido: uma menina usando um vestido lavanda com o cabelo solto e um laço preto nele, de costas em um campo aberto com uma mata ao fundo e um arco-íris no céu.

- Nenhum - ela parece desapontada - Não quero levar nenhum dos quadros ou fotos mãe. Deixemos eles aqui, por favor.

Ela abre a boca para falar, mas meu pai buzina lá fora.

Começo a carregar a mala enquanto ela põe tudo em cima do sofá e cobre com uma manta branca, em seguida faz o mesmo com o espelho. Passo pelo meu quarto una última vez e dou uma última olhada, esse lugar é mágico para mim.

- Eu volto daqui a dois anos, prometo - digo fechando a porta.

Meu pai ajuda a minha mãe a fechar todas as portas e janelas, e então saímos.

Por uma última vez, meu pai passa pela praça principal, com a fonte, a catedral e as estátuas o que aperta ainda mais o meu coração.

São dois anos. Eu vou me esforçar para eles serem bons, me esforçar para ser alguém boa, nem que para isso eu tenha que mudar quem eu sou.

Encosto minha cabeça na janela, enquanto vejo Palermo desaparecer ao longe.

- Ci rivedremo, lo prometto - sussurro contra o vidro enquanto as casas de barro ficam cada vez mais e mais longe.

Eu realmente tento entender Emijya, mesmo, tento entender o porquê daquele ataque horrível, às vezes minha cabeça ainda dói quando toco em certas partes.

Eu gostaria de dizer que conheço bem ela, que vai ficar tudo bem, mas o vazio de palavras não ditas pela gente, de desculpas não pedidas, virou um oceano no qual apenas eu me afoguei, e só eu sei disso.

Assim como também sei que nunca mais seremos amigas novamente, apenas duas pessoas que um dia já foram o mundo uma para a outra e agora são apenas desconhecidas.

Bem, talvez só eu tenha feito ela como meu mundo.

Cerca de trinta minutos depois, chegamos ao aeroporto Falcone Borsellino. Paro no meio fio e olho para o céu, para um avião que acabou de levantar voou e tento me animar.

- Corea, spero che andremo d'accordo - digo empurrando as portas do salão.

Até A Próxima PrimaveraOnde histórias criam vida. Descubra agora