Capítulo 29

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Flores coloridas com tinta.

Dias atuais.

Quando eu era pequena, gostava de pintar tudo: a parede branca sem graça, o chão sem brilho, as cortinas em tons neutros... Gostava de desenhar flores no guarda-roupas, nos vestidos da minha mãe, na roupa de cama, nos guarda-chuvas e nos livros do meu pai, uma vez, peguei seu caderno que tinha um pinguím na areia na capa, que ele usava para estudar e desenhei uma fruta em cada página: laranja, maçã, pêra, uva... Também gostava de pegar as canetas que meus pais usavam, eu tinha um saco cheio delas, e pintava as folhas que caíam das árvores, os pratos, algumas embalagens de comidas, fotos que eu arrancava dos porta-retratos...

Minha mãe sempre se zangava e reclamava.

- Ella, você pode não pode pintar tudo. Olhe, o vestido da mamãe amarelo novinho que comprei ontem, agora tem grama e uma vaca. A louça que a vovó me deu quando você nasceu, agora tem um monte de nuvens roxas.

E então ela lavava, mas não saia, até hoje ela tem o mesmo vestido amarelo com a vaca rosa e a grama verde.

Meu pai não reclamava, ele apenas virava as folhas do caderno, guardava as do chão em um saquinho até secarem e ria das embalagens.

- Ella - ele se abaixava e me perguntava - por que desenha em tudo?

Eu sempre sorria e pulava fazendo meus penteados focarem bagunçados quando respondia.

- Por que o mundo precisa de cor papai. Por que eu quero que o mundo seja cheio de cor. Eu gosto de tudo colorido e quero que tudo seja colorido.

- Vai colorir tudo?

- Tudinho.

- Até o rosto do papai? - ele sempre arqueava uma sobrancelha.

- Não - eu respondia rindo enquanto ele me fazia cócegas.

Eu sempre quis um mundo mais colorido, mais imaginativo, pensava que assim as pessoas me conheceriam melhor. E funcionou, por muito tempo, mas ultimamente não tenho vontade alguma de pintar.

Em todos esses anos, essa é a primeira vez em que isso me acontece.

Estou na sala de artes, é fim de tarde e a limpeza da escola vai começar daqui a pouco. Hoje mais cedo, a Srª Ryu disse que queria me ver para falarmos sobre o novo tema de pintura do concurso, " a época dourada, o tempo em que tudo era mais colorido ", ou seja, sobre minha infância.

Na verdade, não tenho o que reclamar desse período, mas gostaria de voltar para lá. Gostaria de voltar a rodopiar no jardim enquanto as flores que colori com tinta natural, secavam na brisa; para o tempo em que meu cabelo era amarelo ao invés de platinado, o tempo em que tudo era maior, mais novo, mais lindo, tudo era uma primeira vez, o tempo em que eu era uma criança andando rápido de bicicleta e meu pai um adulto brilhante correndo atrás de mim sem fôlego me mandando parar.

O tempo em que eu não decepcionava as pessoas com a minha simples existência.

A Srª Ryu cruza as mãos sobre a mesa.

- Ella, por que começou a pintar?

Demoro uns cinquenta segundos para responder enquanto umedeço meus lábios.

- Por que, eu queria colorir o mundo - ela inclina a cabeça para o lado.

- Mas o mundo já é colorido.

- Não como eu queria. Eu queria... Queria... Queria que as flores brancas, fossem brancas e amarelas ao mesmo tempo, queria que as vacas também fossem azuis, que o leite fosse vermelho... Eu... Queria que o mundo fosse mais...

Até A Próxima PrimaveraOnde histórias criam vida. Descubra agora