Capítulo 1: Sonhos e Pesadelos

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Eu saí do armário.

Saí do armário para minha tia e meu primo. São literalmente as duas primeiras pessoas da minha família pra quem eu contei. Eu imaginei várias vezes como seria minha "revelação" para minha família,até fantasiei mas nunca imaginei que minha tia e meu primo ficariam tão na boa com isso.

-Seus pais já sabem? - perguntou minha tia Ana.

-Não, não sabem. Por favor, não conta pra eles, ainda não. - eu disse olhando pra baixo - Me desculpa, tia...me desculpa....

-Desculpar pelo que? Você não fez nada de errado! Errado é quem rouba, mata, trafica e engana as pessoas. O que você faz de errado? Gostar de pau? Não julgo, é uma delícia não é mesmo?

Eu dei uma risada em meio ao choro.

-Tia, meus pais...eles não vão entender, eu pretendo contar pra eles futuramente mas não agora. A senhora já morou lá e sabe como é.

-É eu sei...

"Frango", era assim que os gays na periferia de Recife eram chamados. Não havia vergonha maior para uma família do que ter um parente que fosse "frango". Geralmente eram as gays afeminadas que eram chamadas assim, mas era uma gíria geral para se referir a todos os gays. Júlio lembrava bem, havia um rapaz em sua rua chamado Rafael e ele se lembrava de cada insulto, apelido e chacota feita com Rafael quando ele se revelou gay.

"Lá vai o frango"

"Frango podre"

"Frango mizeravi!"

"Frango maldito que dá o cu e chupa rola"

Com 14 anos eu já entendia que era diferente dos outros meninos da minha rua. Vivia meu segredo em meu mundo particular, tinha algumas paixonites nunca correspondidas por outros rapazes e tudo mais.Eu lembro de assistir Sailor Moon com minhas irmãs e ficar fascinado,sozinho em meu quarto eu imitava as coreografias, golpes e poses do desenho. Às vezes eu pensava que se eu tivesse nascido menina não sentiria tanta culpa ou medo.

Sempre tímido, nunca foi bom de paquera, um nerd do computador que todos só se aproximavam querendo que eu ajudasse em algo. Este era eu.

Na verdade ainda sou...

Todos os meus "relacionamentos" foram de uma única noite. No máximo de 1 semana.

Conhecer, beijar, sexo , gozar , dar adeus , bloquear dos contatos e repetir o ciclo.

Sempre foi assim, acho que nunca vai ser diferente....

Voltei a realidade com minha tia estalando os dedos na minha frente.

-Ei! Tá tudo bem, meu querido. Isso é só um detalhe de quem você é. Olha pra você! Um filho maravilhoso que só dá orgulho pros seus pais, um sobrinho sem igual, o segundo a se formar na faculdade na sua família, 2 pós graduações, fez intercâmbio, servidor público federal....

Ela começa a fazer cócegas na minha barriga e eu começo a me debater rindo.

-Para por favor! hahahahahaha

Marinho vem e me imobiliza para tia Ana me abater na cosquinha.

-Agora ele não escapa, mãe!

Ficamos ali rindo na sala da casa da minha tia, nós 3. Uma família totalmente louca e desajustada que me fez esquecer totalmente onde eu estava.

"MEU DEUS EU ESTOU NA FAVELA DA ROCINHA!"

Os pensamentos intrusivos voltaram com tudo.

Quando o Marinho disse que ele e minha tia tomaram no cu e foram morar na favela eu já imaginei eles morando numa casa de taipa com 20 traficantes como vizinhos, passando fome e tendo que vender crack pra sobreviver. Até imaginei que o motorista que nos trouxe era um traficante(na verdade ele era um vizinho da minha tia que faz uber)

O Dono do Morro : Eu Odeio Amar VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora