Vamos beber

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— Tu não precisava vir aqui Sampa. — Paraná atendeu a porta um pouco surpreso. O sudestino empurrou passagem para dentro.

— De vez em quando não tem problema. — Exibiu a garrafa de vinho que carregava. — É fim de semana, vamos beber. — Decretou se dirigindo para a cozinha. — Eu sei que você fica muito solitário nas sextas-feiras.

Comentou suavemente, não dando chance do amigo negar a verdade ou recusar a gentileza. São Paulo encontrou duas taças e o saca-rolha já ajeitando tudo para os dois.

— O que você tem pra fazer aqui na cozinha? — Abriu a geladeira do paranaense analisando o que tinha. — Dá pra fazer uma carbonara?

Paraná apareceu em seguida, fechando a porta do eletrodoméstico a força.

— Cozinhar é que tu não vai! Não na minha casa desse jeito. — O menor viu a expressão contrariada do amigo, deu um suspiro e emendou. — Podemos pedir alguma coisa.

— Agora sim meo. Pensei que ia ter que brigar contigo.

PR pegou sua taça e deu um gole dando um sorriso amarelo em seguida.

— Quase. — Admitiu.

— Eu vi que tinha acontecido alguma coisa... — O maior comentou despretensioso, também se servindo do vinho. — Quer falar sobre isso?

— Ai guri.... É o Sul neh! Quem mais seria. — Murmurou com a taça na boca. Falou baixinho contra o vidro. — Eu vi ele combinando com o Norte de sair hoje à noite, provavelmente pro puteiro nojento daqueles dois. — Apoiou forte o copo na mesa e olhou diretamente pro sudestino elevando um pouco a voz indignado. — Não te engana com o Norte! Ele é cafajeste igualzinho o Sul. Só por que não é homofóbico não quer dizer que não é piranha.

São Paulo gostou de ver um pouco da energia do amigo de volta em sua fala. Concordou com a cabeça.

— Verdade, eles são irmãos afinal de contas. — Antes que o silêncio se instalasse por muito tempo o visitante pega a carteira de cigarros do bolso e exibe perguntando. — Posso?

— Se tu não te importar de ser na varanda.... — O dono da casa deu de ombros, se virou e pegou o cinzeiro que havia adquirido por causa dele e rumou para o local indicado. — Eu te acompanho.

Cada um pegou sua taça, a garrafa de vinho e o cinzeiro e rumaram para fora. Era uma noite fresca, que pedia um casaquinho mas não chegava a ser desagradável de ficar ao ar livre. Acomodados nas cadeiras externas o paulista imediatamente acende seu cigarro já puxando um trago e soltando a fumaça para cima. Enquanto isso o paranaense puxa o celular para fazer o pedido de comida.

— Tu quer comer o que?

O maior deu de ombros.

— O que você quiser. O que for mais fácil. Ou mais rápido. Tanto faz.

— Uma pizza?

SP deu um trago e falou soltando a fumaça.

— Portuguesa pra mim. — Respondeu simples.

— Marguerita e portuguesa então. — O outro repetiu o pedido distraidamente mexendo no celular. — Deve chegar dentro de 40 minutos.

— Que demorado....

— Pra aqui é normal. Tu que vive num apinhado de gente lá. Daí é normal que as coisas cheguem rápido, fora que tem uma pizzaria em cada esquina.

O sudestino revirou os olhos.

— Exagerado. Nem é.

Arrancou um sorriso do menor, finalmente. Ficaram um momento observando o quintal do sulista com o luar forte que tinha naquela noite. Vagalumes passando ao fundo e se parassem e prestassem atenção dava para escutar o riachinho que passava no fundo da propriedade. Cenário altamente romântico, mas completamente desperdiçado. Mais do que qualquer coisa estava melancólico no momento.

Os dois absortos em pensamentos e devaneios num silêncio confortável. Com a ajuda do álcool Paraná conseguia se atrever a imaginar o barbudo ali consigo conversando, em paz. Não sabia exatamente que tipo de assunto desenvolveria com o gaúcho, mas era claro que seu coração queria conversas profundas e sinceras com ele, calmas, completamente o oposto das brigas e ofensas habituais. Sentiu uma lágrima solitária escorrer por sua bochecha.

Na outra cadeira o paulista estava num estado semelhante de torpor e profundos pensamentos. Diferente do amigo, ele não sabia o que seu crush fazia no momento, até que era boa a ignorância. Melhor do que saber que ele estava num puteiro.... Se conhecia o carioca a essa hora devia estar ou em casa jogando algum vídeo game ou no barzinho da esquina bebendo com alguém que ele conhecia do lugar e fazendo algazarra.

De repente a campainha tocou arrancando os dois de seus pensamentos. Rapidamente o sulista seca a lágrima e se levanta, a pizza havia chegado. Não precisou falar nada pro sudestino, São Paulo apagou seu cigarro e rumou para a cozinha para ajeitar as coisas para comerem.

— O cheiro está bom. — Comentou o dono da casa ao apoiar o pedido na mesa.

— Está mesmo.

Rapidamente abriram a embalagem e serviram dos respectivos pedaços.

— Como está aquilo da greve do Sul? — São Paulo comentou distraidamente.

— Tah indo neh. Ele já começou, só está fazendo o absolutamente mínimo pra empresa. Tanto é que o Brasil já cortou o salário dele. Só não despediu porque ele está fazendo o absolutamente mínimo. — Repetiu a frase para mais efeito irônico.

— Será que ele quer que o Sul peça demissão?

— Acho que nenhum dos dois quer isso, sinceramente. Mas eles têm que se acertar logo também, não dá pra ficar assim a vida toda! Ele vai ficar aos farrapos desse jeito.

— Se é que já não está. — Comeu mais um pedaço da pizza. — Ainda mais gastando com puta e bebida.

Paraná fez uma expressão triste, era a realidade.

— Eu acho que ele está em crise com alguma coisa.... — Murmurou quase sem voz. — Não que eu um dia vá descobrir. — Deu um longo gole da bebida. — Ou ajudar.

São Paulo engoliu os próprios pensamentos com o vinho, esvaziando a taça. Já tinha comentado alguma coisa sobre isso anteriormente, não precisava esfregar na cara do melhor amigo, nem induzi-lo a esperanças infundadas, afinal tudo não passava de suposições.

— O jeito é beber pra esquecer. — Levantou energético. Precisou para um momento para recuperar o equilíbrio e riu do próprio descuido. — Peraí Sampa, já já vou pegar outra garrafa pra gente. — Se apoiava na mesa com as duas mãos. — Só deixa o chão parar de girar.

O maior foi obrigado a rir. Aparentemente dormiria na casa do paranaense aquela noite, depois de tanto vinho não seria prudente tentar voltar para casa. Depois da segunda garrafa o assunto aliviou um pouco com os dois rindo mais solto e de superficialidades.

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