Jardins da Babilônia

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Rapaz, malditos sejam esses processos seletivos de professores que inventam de chamar todo mundo de última hora. Foda que não dá pra viver a base de bolsa Capes, não é? Então, cá estou eu, boa praça que sou no coração de belorizonts, esperando a boa vontade de ser chamado na fila de professores de história que também aguardam desagradados a tão temida entrevista no renomado Colégio Galileu Galilei, um dos mais tradicionais e renomados da região. Um monte de firulas, mas uma vaga bacana e um salário decente, considerando o piso salarial do professor no Brasil.


Depois de um chá de cadeira da desgraça, finalmente escutei uma voz feminina rouca soando da porta de madeira, me fazendo entrar, todo desengonçado. Eu admito que poderia ter me organizado melhor, realmente, mas a convocação foi meio urgente.


Sempre me disseram que eu dava pinta de professor de humanas: barba alta, cabelo de jovenzinho apesar dos fios cinzas, aquela vibe de hippie.... Baixei as mangas da camisa de botões jeans, apertei meu cinto, e dobrei a barra do meu jeans. Era o que dava pra fazer em meia hora, véi, sem contar que... os estereótipos me ajudam a causar a impressão que eles pediam para o cargo: de um professor moderno.


Mas pelo amor de Deus, não sou cego nem santo — O primeiro desafio daquele colégio de granfino seria meramente ético. Aquela mulher era bonita feito os Jardins da Babilônia. Bonita como as artes, literatura, sabedoria, todo o horóscopo e a astronomia que se relacionava com a história dos jardins místicos. Um rosto feito a mão, um corpo que era um absurdo, e um comportamento aparentemente difícil que era a cereja no tipo do bolo. No seu birô, e na porta, apontava o nome "Giovanna Antonelli P., Coordenadora", e aí eu entendi toda a marra que desvendei em um milésimo de convivência.


— Sente-se. – ela não ofereceu, apenas ordenou. Fiz calado. — Olha Nero... vou te perguntar umas coisas básicas só a título de rotina e conhecimento necessário para escola, e tudo mais, por favor, não se acanhe, tá? – ela dizia, compenetrada nos papéis sem me dar uma olhadinha sequer.


— Pronto, pode mandar.


— Idade?


— 31. Faço 32 no começo do ano.


— Cê... mora em BH?


— Savassi, moro por lá. Dá uns 15 minutos de carro daqui do colégio.


— Claro.... Estado Civil, se tem filhos, a gente tem plano de desconto no...


— Solteiro. Sem filhos, nem pensão alimentícia.


— Que bom. – olhou pra mim, finalmente! E ainda deu um sorriso de boca fechada. — Desconto de pensão em folha de pagamento é uma coisa tão chatinha... É, me conta mais sobre sua experiência, expectativa em entrar no Galileu, como conheceu o colégio...


— Vi a vaga na internet, um amigo me comentou e daí meti a cara, sabe? Sou daqui não, mas sei que a Galileu é assim, no nível dos outros colégios que lecionei. Mas já tenho 10 anos de sala de aula, todas assim... porretas. 3 anos no Colégio Anglo-Brasileiro, mais 3 no Mater Dei e no Lince, uma temporada no Lyon em São Paulo antes do intercâmbio... ai passe pra temporada de Coimbra, que lecionei História da America Latina durante o tempo de mestrado... E aí eu voltei agora pro Brasil, mestre. Vim pra BH, ao invés da Bahia, porque eu gosto muito da cultura mineira, de toda história...


— Vem cá, com essas capacitações todas, porque não tenta lecionar em universidade? — disse a morena, anotando alguma coisa metida a besta na caderneta da mulher metida a besta que ela tinha.


Lido melhor com criança que com adulto. – ih, tomei sua atenção. Ela subiu os olhos marrons de Medusa pra cima de mim, quase acusatórios. – O que foi?


ImponderávelOnde histórias criam vida. Descubra agora