Ouro de Tolo

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Meses se passaram depois daquela tomada de decisão de assumir tudo que é, tudo que poderíamos ser: meses se passaram desde que eu e Giovanna decidimos pôr as coisas em pratos limpos e assumir o que sentimos para todos, sem amarras, nem dilemas.



E de longe, posso concluir que foi uma das tomadas de decisão mais certas das nossas vidas. A partir daí, as coisas começaram a andar: nosso rendimento melhorou, nosso trabalho ficou cada vez mais entrosado, sua imagem no colégio com as crianças melhorou, andamos mais felizes.


Minha sogra me adotou e me ama como se fosse filho (mérito meu, que amansei a fera que ela criava dentro de um cativeiro dentro de casa), e eu não poderia estar mais feliz.


Cá estou eu, meio das férias, fim de dia, trabalhando na mesa da cozinha das Antonelli, aprontando o que eu teria de aprontar antes de pegar o primeiro avião pra embarcar para Bahia no fim da semana, na minha 1ª visita anual a dona Marisa e seu Tarcísio, os bonitos da Pituba.


Não cheguei a falar muito da minha família nesse meio narrativo, então vou ser breve: Painho tem uma agência de viagens conhecida lá na Bahia (o que eu acho uma vergonha da parte dele, já que viaja pouco pelo que pode), mainha segue a carreira de professora do Estado a milianos e agora é secretária administrativa, e minha irmã mais nova, Alícia, tá em ano de vestibular. E diz ela, que quer prestar vestibular de Direito pra PUC-MG também. Isso é frevo pra sair de casa, certeza. Olhe pra mim!


Nosso relacionamento é bom, porque eu moro fora, de certeza. Painho dizia que eu deveria virar doutor, e eu virei né, não de forma que ele queria, mas virei. Na adolescência essa decisão foi difícil, mas eles acataram minhas decisões, e passaram a ter orgulho. Eu queria ter convivido mais com Alícia por motivos óbvios, mas eu tinha que viver minha vida. A vida não pode esperar por nós.


Concentrado no que eu tinha que fazer, eu voltei a minha mente nos documentos do Doutorado, papelada que eu precisava entregar antes da viagem, viagem essa... que minha dama simplesmente dispensou.


Eu não fiquei muito manso com esse papinho fresco dela de que "Ah, tenho que resolver tanto trem do planejamento do ENEM nesse meio do ano" pra cima de mim. Afinal eu também sou professor do Galileu, e eu sei que a demanda não é isso tudo, e que ela mesma já resolveu coisa pra caramba. Mas eu relevei, porque... eu amo Giovanna demais pra me estressar com café pequeno.


Escutei um bate-lata da cozinha, e o vozerio de dona Lilian cantarolando Detalhes de Roberto Carlos, música do casamento dela com seu Gilberto, história que ela já me contou 30x pra me incentivar a casar com Giovanna, mas decidi ignorar e seguir minha vida. Só que não demorou muito pra ela aparecer na sala de jantar com uma bandeja cheia de comida pra mim, como ela gostava de fazer.


Inclusive, desde que comecei a namorar com a filha dela, engordei 4kg. O amor nos enche.


— Filho, não tô te atrapalhando não né? — perguntou, toda sem jeito, com o sorriso da filha na boca.


— Não precisava, minha sogra. — disse, sorrindo bobão pra dona Lilian, que me chega na mesa da cozinha com um bolo de laranja e um cafézinho puro, do jeito que a raça dos professores gosta.


— Ah, Alê, não vem com essa cerimônia toda pra cima de mim não, nem vem que eu sei que o senhor é doido pelos meus bolos. — disse, me dando um beijo na cabeça, bem mãezona das ideias.


A convivência com dona Lilian me tirava um pouco da carência do colo de mãe que tava tão longe de mim. Ia matar um pouco dessa saudade logo logo.


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