Planejamento escolar é sempre uma praga na vida do educador, não é? Sempre tem um workshop metido a besta, uma reunião lenta que leva o dia todo, discussões e mais discussões sobre quem vai dar aula em sábado letivo... é uma onda.
No Galileu Galilei não seria diferente, até porque agora eles querem ser um colégio modelo em novidades, né? Naquele dia, estava rolando uma palestra de uma psicóloga e com uma conselheira escolar que era chata pra porra sobre resiliência em sala de aula, e maneiras de tratar os jovens e crianças... as coisas novas de se ensinar em sala de aula para professores que perdem sua humanidade na profissão (coisa que pode ocorrer em 50% dos casos), e que bem, eu já tava gasto de saber que tem que tratar gente como gente. Não era esforço nenhum pra mim.
Mainha sempre me disse que eu me dava bem com criança porque eu era igual a uma — talvez ela tivesse toda a razão, porque se tem uma coisa que eu nunca tive problema, foi em lidar e liderar uma sala de aula cheio de adolescentes e crianças, eu gostava de verdade, e sempre conversei de igual para igual. Não à toa, sempre me dei bem na carreira.
Voltando... estava bem sentado no finzinho do auditório junto com uns 30 professores ou mais, resguardado no meu canto, sem ser o popstar que sou. Desenhava alguma besteira no caderno, até avisar um vestido longo e verde-esmeralda cruzando meu caminho, ou melhor, sentando do meu lado. O diabo, além de articulado, cheira a rosas. E tem um narizinho empinado que é uma praga.
Giovanna sentou-se ao meu lado e não disse nada, mas eu já imaginava o que ela queria fazer ali: era o dia de cumprir a aposta, o nosso bendito encontro. Encontrei com ela na sala dos professores antes, mas mantive segredo — queria matar ela de pouquinho em pouquinho e acabei não dizendo pra onde que eu ia levar ela. Decidi durante a semana que eu ia levar ela num lugar que eu também tinha curiosidade de conhecer, porque se fosse ruim, ia ser ruim pros dois pelo menos. A Casa de Cultura era um barzinho cultural que vira e mexe tinha uma programação de forró que eu sempre adiava frequentar. Agora eu tinha a parceira de forró, a desculpa e um date arranjado na base da aposta. Continuo vencendo na base da lábia, é um dom.
— O que eu visto? – ela sussurrou do meu lado, toda desconfiada.
— Como é, coordenadora? – fiz cara de paisagem, sussurrando de volta.
— A aposta, hoje. O que eu visto?
— Hm... uma saia rodada, um batom vermelho. – apertei os lábios, tentando não escapar uma risadinha. – Fique a vontade. Só me passa seu endereço antes.
— Oi? Mai nem morta Zé. – riu com muito sarcasmo. – Cê acha mesmo que eu ia deixar você me pegar em casa? Tá maluco?
— Oxe, o que tem demais? – não entendi o ponto da azoação. Apoiei meu braço na ponta da cadeira dela e eu vi ela olhando pros lados como se alguém fosse um crime o que eu estava fazendo ali. – Tu num tem casa não, é?
A professora mal-humorada de Inglês, uma véia de uma sessenta anos que aparentemente não gostava da minha cara e se tornou minha arqui-inimiga naquele colégio, soltou um pigarro de incômodo da nossa conversinha miúda ali nos bancos. Era um papo realmente que não dava pra se ter naquele espaço.
— Vamos na minha sala pegar um café. É melhor.
Se ela dizia... que fosse, então. Pra não deixar tão na cara, durante a saída à francesa do auditório eu fui mostrando a ela um projeto de viagem à Cordisburgo, terra de Guimarães Rosa, que eu queria fazer com os estudantes ainda no primeiro semestre. Ok que a maioria não ficou convencido com nosso teatro, mas dali, eu não tinha muito o que fazer.
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Imponderável
FanficMapas, clássicos, classes e conversas. Quando histórias tão diferentes se cruzam para serem escritas, o imponderável acontece. Uma coordenadora de um colégio tradicional em Belo Horizonte tendo que aprender a driblar as investidas do seu novo profes...