Quando Pero Vaz de Caminha descobriu que as terras brasileiras eram férteis e fortes, tratou de encaminhar a primeira fofoca da terra brasillis à Portugal, informando que nela tudo que se planta se cresce, que as pessoas são primitivas, selvagens e todos os afins. Não querendo me sentir o próprio Brasil Baronil, mas porra, as coisas vinham sendo assim no Novo Mundo, vulgo, Colégio Galileu Galilei.Eu me sentia pendulando por caravelas malucas toda vez que pisava os pés no colégio. Não esperei a mineira marrenta me dar o telefonema, apenas fiz a boa e acompanhei as turmas, por eu mesmo. Uma relação diretamente saída de Macunaíma.
Na noite anterior ao meu retorno, organizei o material todo que disse que ia mandar pra moçada, e encaminhei pra ela, que simplesmente não me respondeu. Mulher doideira! A recuperação dos pivetes em plena sexta-feira, e ela nem aí!
Pra não correr o risco, eu apenas pintei na escola depois na sexta-feira com uma apostila de cada material pra cada: Arthur, Gael, Alícia, José. Christian e Catarina (sim, eu era bom com nomes) e pensei em imprimir uma pra amargurada de BH, mas não sei se queria tanto papinho assim com ela naquele dia. Mas aquele perfume de rosa foi o primeiro que eu senti no dia, e a coisa apertou de novo.
Pior que um ímã, ela me atraiu para a sua sala de aula no primeiro zum-zum-zum que escutei na sala dos professores. E naquele parapapá todo de questão de trair e não trair, eu provoquei a mulher até o limite com aquela conversa mole minha, provando alguns pontos, sem que ela me desse abertura nenhuma pra avisar que eu estaria passando o conteúdo para os meninos na mesma ocasião. Doida da cabeça que só ela, virou as costas para mim, sumiu no mundo, e me deixou como navegante de caravela, jogado pelo litoral, pronto para desbravar.
Sei que era muito sem-vergonha da minha parte ter pintado por lá para dar a aula, mas uni o útil ao agradável: bati na porta da diretora e batemos um lero sobre o contrato, horários e todas as coisas chatas e burocráticas, e fechei ali mesmo! Ô benção. O que me faltava além da troca de espelhinhos por ouro era o direito de desbravar ainda mais aquelas terras. Mas sou paciente, demais da conta, aliás.
Combinei com ela que ia precisar de uma sala livre pra passar umas questões pros garotos, e ela me disse que a biblioteca estava ao meu dispor a partir das 14h, e que os meninos também estariam todos por lá. Do nada, já era meio-dia, e eu precisava comer alguma coisa que não fossem biscoitos da secretaria e café morno de professor — Nota mental de trazer uma xícara pra não arriscar minha saúde comprometida de professor tomando café em copo de plástico.
Eu vi que tinha um restaurante a quilo próximo ao colégio, e não me dei o trabalho de sequer pegar o meu carrinho pra ir lá. Ainda anônimo e ainda meio disfarçado entre os alunos, eu dei uma de cavaleiro solitário e segui o percurso sozinho: Eu, minha bolsa, uma versão de bolso de Brás Cubas e a coragem de dar as caras. Vantagem dessa vida meio nômade que eu levo: nunca foi lá um grande problema andar só. É melhor do que andar mal acompanhado, não é?
As companhias são consequência da vida. Eu tenho muitos amigos espalhados por aí, como é o caso do Salvino, professor de Sociologia aqui em BH que me disse que eu fazia o perfil do Academia e me mandou a vaga. Parça das antigas, do tempo de UFBA! Foi quem me botou na cabeça que BH era o must, e vinha sendo.
Estava aqui há uns 5 meses, eu acho, trabalhando como um louco na pesquisa que eu movia com outros professores junto à PUC de MG, e senti a necessidade de aproveitar as manhãs e tardes com a minha paixão de verdade: A sala de aula.
Eu era aquele tipo de aluno calado, que sentava no fundão, mas que aprendia tudo — daí veio a vontade de ser professor, de ser esparramado assim, de não ter vergonha de palco e de sala de aula, e isso é um amor. É um amor que eu construí e que a pesquisa não me dá.
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Imponderável
FanficMapas, clássicos, classes e conversas. Quando histórias tão diferentes se cruzam para serem escritas, o imponderável acontece. Uma coordenadora de um colégio tradicional em Belo Horizonte tendo que aprender a driblar as investidas do seu novo profes...