Lan Zhan

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                   DIAS DE HOJE

Lan Zhan

O hóquei, por natureza, é imprevisível. Um salto do disco pode mudar um jogo, e às vezes o resultado de um jogo é decidido apenas por aquele golpe estranho que, de alguma forma, encontra seu caminho através de um emaranhado de lâminas, tacos e pernas.
Você entra no gelo com um plano de jogo, mas já sabe que tudo pode mudar num piscar de olhos. Os favoritos caem e os azarões sobem.
O hóquei é o esporte onde até a sorte às vezes parece apenas jogar uma moeda para determinar o resultado.
É jogar com a perna quebrada. São cortes, hematomas e narizes quebrados. É levar vinte pontos e voltar ao gelo. É passar horas, dias, anos no gelo para melhorar. Para ser o melhor. É química entre sua equipe. É não querer desistir e lutar até o último segundo e, mesmo assim, às vezes, de alguma forma, terminar com uma pontuação final que parece tão justa quanto enviar uma criança de três anos para enfrentar um vencedor do Troféu Conn Smythe.
Mas essa é a beleza do jogo. Habilidade e sorte misturadas em um coquetel perfeito.
E ainda assim, de vez em quando, há aqueles dias em que, mesmo com toda a imprevisibilidade e aleatoriedade, você simplesmente sabe. Dias em que tudo parece clicar. Sua equipe está na zona e ninguém pode te derrubar. Você vai vencer. É inevitável. Imutável. Jogar o jogo é apenas uma forma de oficializar o resultado.
Estamos tendo um daqueles dias. Um daqueles dias em que estamos bem e não podemos errar. O disco fica colado no meu taco até o exato momento em que eu o mando embora. Ele ricocheteia nas placas do jeito que eu quero. Meus patins são afiados, o gelo é liso e o placar é 5 x 1. Lanling não vai voltar disso. Eles não tiveram chance contra nós desde o momento em que pisaram no gelo.
No segundo em que o relógio termina, os fãs do Gusu U se levantam de seus assentos, pulando, gritando, cantando. Tenho certeza que vi um cara enxugar os olhos na camisa.
Nossos fãs são de uma raça diferente. Eles comemoram como se tivéssemos acabado de ganhar o Frozen Four, mesmo sendo apenas o começo da temporada. Ter cinco mil pessoas cantando e torcendo por nós será sempre uma experiência surreal.
— Porra, sim! — Soren ri enquanto bate seu capacete no meu.
Eu sorrio, batendo os punhos e dando tapinhas nas costas de quem posso alcançar.
Não há nada como vencer.
Até o treinador está de bom humor. Há algo que lembra um sorriso em seu rosto, o que é uma grande conquista para um homem que geralmente parece não perceber que os cantos dos lábios também podem se mover para cima.
Assim que saímos do gelo, me jogo no banco em frente ao meu cubículo, desamarro os patins e tiro a camisa. Ao meu redor, as pessoas estão rindo, entusiasmadas com a vitória e com a adrenalina pós-jogo.
Soren se senta ao meu lado, sorrindo de orelha a orelha.
Eu olho para ele. — Um hat-trick — eu digo. — Exibicionista fodido.
Ele apenas balança as sobrancelhas em resposta.
Eu rio, largo meus protetores e giro meu braço, aliviando a rigidez em meu ombro.
Soren balança a cabeça, seu sorriso se alargando.
— Queixo erguido — ele diz com um sorriso malicioso. — Você ainda ganhou. Essa é a única coisa com a qual quem você vai buscar na festa mais tarde vai se importar.
— Realmente? Isso funciona. — Wen Ning para bem na frente de Soren. Recém-saído do banho, ele tem uma toalha enrolada na cintura e está secando o cabelo em um segundo. Ele é nosso ala esquerdo novato. Muito entusiasmado. Muito ansioso. Com os olhos muito arregalados. Um pouquinho ingênuo.
— Mas, tipo, como você traz isso à tona em uma conversa? Basta sair e dizer isso? — Ele franze a testa como se a logística de tudo isso fosse demais para lidar.
Soren já está balançando a cabeça. — Cara, não. Não. Você tem que ser sutil. As mulheres gostam que seus homens sejam inteligentes, então você usa metáforas e essas merdas.
A carranca no rosto de Ning se aprofunda. — Metáforas?
— Sim. Vá fundo nela. Desafie seu cérebro. Acredite em mim, você não quer a reputação de um atleta idiota. Você quer ser o atleta sofisticado, certo?
— Certo. — Ning parece estar pronto para pegar o telefone e começar a fazer anotações antes de franzir os lábios e abrir a boca novamente. — O que eu digo?
— Bem — diz Soren, — se eu fosse você, diria algo como: ‘O preço da vitória é alto, mas as recompensas também.’ A propósito, esse é Bear Bryant, mas não diga isso a ela. Não queremos que ela pense em jogadores de futebol, não é mesmo?
Soren arqueia a sobrancelha e Ning balança a cabeça rapidamente.
— E isso vai... — Ning abaixa a voz como se tivesse medo de que alguém pudesse ouvir.
— Isso vai me fazer transar?
Eu escondo o revirar de olhos enquanto Ning ouve cada palavra que sai da boca de Soren como se o cara fosse um mestre em namorar ou algo assim.
Soren se levanta e dá um tapinha no ombro de Ning. — Calma, meu jovem amigo. Essa foi a parte em que você a afligiu com seu cérebro. — Ele bate o dedo indicador na têmpora de Ning.
— O próximo passo é a linha de conclusão. Seja tranquilo com isso. Natural, mas suave. Confiante, mas humilde. Forte, mas vulnerável. Sério, mas brincalhão. Diga algo como: ‘Quer testar a teoria? Porque eu serei a melhor recompensa.’ Dê uma piscadela enquanto você está nisso.
— Realmente? Isso funciona?
— A piscadela mostra charme infantil. Confie em mim — diz Soren. Eu tenho que reconhecer que ele consegue manter a cara séria apesar de todas as besteiras que está vomitando.
Ning assente. — Eu posso fazer isso.
Ah, que diabos.
— Você sabe qual linha também sempre funciona? — Eu entro na conversa. — ‘Você sabe que sou jogador de hóquei? Significa que sei como manusear meu bastão como um profissional.’
— Esse funciona perfeitamente — Soren concorda, ainda falando sério. —Também este: sou jogador de hóquei, por que você não me dá uma chance?
Eu concordo. — E isto: fui chamado de jogador sujo. Quer ver o quão sujos podemos ficar esta noite?
— Querida, sou jogador de hóquei e vejo meu disco no seu gol esta noite.
— Sou jogador de hóquei, então você sabe que sempre uso proteção.
— Espere — diz Ning. O cara está começando a parecer confuso.
— Qual eu uso?
— Tanto faz. Eles são todos de ouro puro. Experimentado e testado por mim mesmo — Soren garante. — Passei anos nesta pesquisa. Não há como errar com nenhum desses.
Wen Ning parece um pouco com uma pessoa que está tentando acumular o conhecimento de um semestre cinco minutos antes do exame enquanto migra de volta para seu cubículo, resmungando baixinho.
— Filho da puta — eu digo, olhando para Soren.
— De volta para você. — Ele dá de ombros. — Será muito divertido assistir.
— Ele vai levar uma joelhada nas bolas.
— Não. Bebida na cara no máximo. Além disso, há uma festa. Vou empurrá-lo em direção a Bailu. Ele tem aquela coisa toda de garoto inocente do campo acontecendo. Ela vai se divertir com ele.
— É muito estranho você continuar proxenetizando novatos para sua irmã.
— Eu sou seu ala. Eu seria um péssimo se não direcionasse os novatos para ela.
Ele sai com um sorriso. Balanço a cabeça, termino de tirar o equipamento e vou tomar um banho.
— Lan! Festa em nossa casa — King chama do outro lado do vestiário assim que saio novamente. Seu nome verdadeiro é Fao King, mas foi transformado em Short King e depois abreviado para apenas King. Com um metro e noventa, ele não é nem de longe baixo, mas é alguns centímetros mais baixo que seu irmão, que também está no time.
— Hoje não — respondo. — Já tenho planos.
— Nós vencemos, cara. O que é mais importante do que comemorar? — ele pergunta.
Dou de ombros em resposta.
— Tenho merda para fazer.
Eu realmente não preciso de perguntas adicionais sobre o que estou fazendo, porque, honestamente, eu mesmo não tenho a mínima ideia. Só sei que hoje é a noite para fazer isso porque todo mundo que conheço estará naquela festa, então não correrei o risco de esbarrar em nenhum dos meus companheiros ou amigos. Ou o risco é menor do que o normal, pelo menos, e isso terá que servir.
King está de olho na próxima pessoa. — Ei? Você está dentro, cara?
Hao ergue os olhos de sua cadeira e ergue um pouquinho a testa.
— Foda-se. Algum idiota vai postar algo estúpido no Instagram, e então o treinador vai nos dar uma surra na segunda-feira.
— Ele vai presumir que você estava lá de qualquer maneira — argumenta King, reconhecidamente razoável. — É melhor aproveitar a vida enquanto você pode, quando você vai pagar por ela de qualquer maneira.
Termino de me vestir enquanto King continua incomodando Hao sobre a festa, gritando um ‘Tchau’ e saindo de lá antes que eu me acovarde.
É o tipo de noite fria de janeiro que beira o congelamento. Levantei a gola da jaqueta enquanto caminho até o carro.
Uma vez lá dentro, em vez de ir para casa, viro à esquerda.
Nem faz sentido. Minha vida é boa. Ótima, realmente. Por que diabos eu preciso fuçar muito fundo nisso e voluntariamente me foder sobre as coisas é uma incógnita.
Eu não preciso.
Eu poderia simplesmente ir à festa e ignorar aquela parte estúpida e curiosa do meu cérebro que potencialmente complica as coisas para mim.
Mas.
É isso que venho tentando fazer nos últimos seis meses.
Não está funcionando.
Seis meses ignorando o fato de que o beijo fez alguma coisa. Me senti diferente de alguma forma. Pelo que sei, foi apenas a novidade de beijar um cara. Eu nunca fiz isso antes.
Mas ultimamente eu, por falta de palavra melhor, noto as pessoas.
Diferentemente.
Mais.
Foi sutil no início. Tão sutil que nem percebi que estava fazendo isso.
Até que verifiquei um cara na academia. Ou tenho certa certeza de que sim. É um debate que estou tendo comigo mesmo tarde da noite, quando deveria estar dormindo. Eu fiz? Ou não?
É como se de repente eu estivesse mais consciente das outras pessoas. De mim mesmo. Meu cérebro foi reprogramado para ver coisas que eu não via antes. Para pensar em coisas que nunca pensei antes.
Há algum tipo de incerteza nova e mesquinha que nunca existiu antes.
Como uma farpa no meu cérebro.
Como você pode não saber?
Porque deveria ser bastante óbvio. Ou fico excitado com caras ou não.
Bem, acontece que não é nada óbvio.
E é confuso pra caralho.
É confuso pra caralho tentar verificar os caras propositalmente, mas discretamente, para ver se isso faz alguma coisa comigo.
É confuso pra caralho lembrar que você foi ver o Capitão América três vezes quando tinha quinze anos e se perguntar se foi porque gostou do filme ou se o apelo estava em algo completamente diferente.
É confuso pra caralho procurar testes on-line e realizá-los para ver se você consegue uma resposta conclusiva deles.
É confuso pra caralho sentir de repente que você não se conhece. Porque se, potencialmente, estou andando por aí há vinte e dois anos sem saber que não sou... hétero, então quem pode dizer que não há mais surpresas guardadas em algum lugar dentro de mim?
É a incerteza que mais me incomoda. Pelo menos, essa é a conclusão a que cheguei.
Então eu tenho que saber. De alguma forma.
É a única maneira de seguir em frente, em vez de ficar neste limbo estranho.
Ficar parado é algo que não posso permitir. Eu preciso me concentrar. No hóquei. Na minha educação.
Não tenho tempo para uma crise existencial, pelo amor de Deus!
O que quero dizer é que preciso resolver essa merda.
Mesmo que eu não tenha ideia do que estou fazendo.

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