Vidas Cruzadas Parte IV

Cap. 32 - Enrico

Acabei pegando no sono, deitado na cama de solteiro que havia ao lado de sua cama. Mesmo ela pedindo para que dormíssemos juntos, achei melhor não ou poderia machuca-la.

Estava tão cansado após dias sem dormir direito que apaguei e sonhei com meu pai biológico.

Eu estava sentado a beira do lago em nosso terreno no condomínio e jogava uma vara de pescar de bambu na água. De repente minha linha se enroscou em outra e quando me virei, meu pai João estava sentado ao meu lado. Achei estranho, pois ele me olhou com muito carinho e sorria. Coisa que nunca fez quando eu era criança.

- Mas filho, olha o enrosco que demos aqui. Agora vou levar um tempão desenroscando tudo. Aproveita e vá comendo antes que a comida esfrie, Daniel.

- Venha Daniel, deixa seu pai lidar com isso. - Olhei para trás e uma mulher estava sentada, colocando comida em um prato e o estendeu para mim.

- Mas o que a senhora está fazendo aqui também, mãe? - Me aproximei e vi que era minha mãe Marli. Apenas a conhecia por uma única foto, mas ali, ela era ainda mais bonita.

- Fala baixo, ele se desconcentra fácil. Olha lá, está todo perdido para desenrolar algo tão simples. Sente-se e coma, depois você volta lá e o tira daquele sufoco. Ele é teimoso e não pedirá ajuda.

Apenas me sentei e comi toda aquela comida que, inclusive estava deliciosa. Um bolo de laranja que minha mãe Cecília sempre disse que la amiga fazia e que era divino foi minha sobremesa. Antes de me levantar, minha mãe limpou minha boca e me deu um beijo no rosto. Então me levantei e fui até meu pai.

O ajudava em silêncio, até que ele o quebrou.

- Eu já te contei por que te dei esse nome, Daniel? - Apenas fiz que não com a cabeça, então ele continuou. - Foi por causa do profeta. Olha a coincidência. Os dois foram jogados na cova dos leões e os dois saíram vivos e com a fé renovada. Eu fui o seu leão filho, mas você, mesmo sendo humilhado dia após dia, nunca perdeu a esperança de que teria o meu amor em algum momento. Eu fui fraco e não enxerguei isso. Morri sem saber te dar o amor que eu tinha dentro de mim. Mas você não. Sempre deu o seu melhor. Amou e ajudou a todos sem pensar duas vezes. Você sim soube como distribuir o amor de verdade. Eu sei que nunca fui perdoado por ter te feito sofrer, mas agora que estamos finalmente no mesmo lugar, eu preciso te pedir perdão, meu filho. Não o mereço, por tudo o que te fiz passar, mas só assim conseguirei descansar. Eu te fiz sofrer muito, te fiz chorar e me amaldiçoar como pai. Mas eu não sabia mais o que fazer sem sua mãe. Nada justifica o que fiz, eu sei disso, mas você é um homem bom como eu nunca pude ser.

- Eu só queria entender por que eu tive que pagar por algo que não fiz? Eu só precisava do seu amor e do seu amparo e você me negou algo tão simples.

- Eu me perdi com a morte de sua mãe. Não suportei a dor de perdê-la e tive que culpar alguém por todo meu sofrimento. Eu olhava para você e a via morta. Você era a lembrança mais viva do que havia sido arrancado de mim. Sua mãe era meu tudo. Assim como Aylla é para você. Eu me matei de tanto amor e você matou pelo seu.

- Não compare o que eu fiz com a sua covardia. Você me deixou sozinho no mundo. Eu matei para proteger o meu amor. Se perdesse Aylla, eu não seria mais ninguém.

- E provavelmente se mataria... Como eu fiz.

Parei e me peguei pensando que, talvez eu fizesse a mesma coisa. Eu não saberia viver sem ela e aquilo me assustou.

- Cada um tem a sua forma de sofrer. Eu não pude carregar a dor de ver sua mãe ir embora. Você também não aguentaria, filho.

- Que bela dupla nós somos. Dois homens que amam tão desesperadamente as mulheres de suas vidas que não conseguem sobreviver se não estiver com elas. Somos dois fracos.