Dezenove

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Na manhã seguinte, Felix estava distraído. Seus movimentos, geralmente fluidos e precisos durante os ensaios, estavam hesitantes, erráticos. A visão de Hyunjin na noite anterior não saía da sua mente. Cada vez que fechava os olhos, via Hyunjin do outro lado da rua, sumindo na escuridão. A imagem o consumia.

Sabrina notou. Ela sempre foi boa em captar as mudanças no humor de Felix, e naquele dia, algo estava definitivamente errado. Durante um intervalo, enquanto os outros dançarinos riam e conversavam no fundo do estúdio, Felix se aproximou dela, o rosto tenso e pálido.

— Sabrina, eu preciso falar com você… agora — ele disse, puxando-a para um canto mais afastado da sala. O olhar de Felix era intenso, como se ele estivesse à beira de um colapso.

— Felix, o que aconteceu? — Sabrina perguntou, preocupada, vendo a ansiedade nos olhos dele.

Felix olhou ao redor para se certificar de que ninguém mais estava ouvindo. Então, respirou fundo, tentando encontrar as palavras certas.

— Eu vi Hyunjin ontem à noite.

Sabrina piscou, surpresa, e riu nervosamente, como se achasse que ele estivesse brincando.

— Felix… você sabe que isso não é possível. Hyunjin… ele morreu. Você… nós estávamos todos lá no velório.

— Eu sei! — Felix interrompeu, quase gritando, a voz carregada de frustração. — Eu sei que ele morreu, eu sei que eu enterrei ele. Mas… mas ontem, Sabrina, eu juro que eu o vi. Ele estava do outro lado da rua, me olhando. E depois… ele saiu andando. Ele fugiu!

Sabrina cruzou os braços, seus olhos suavizando com preocupação. Ela sabia o quanto a morte de Hyunjin ainda afetava Felix.

— Você tem certeza de que não foi só… sua mente te pregando uma peça? Quero dizer, depois de tudo o que você passou com ele, talvez...

— Não! Não foi coisa da minha cabeça! — Felix interrompeu novamente, passando a mão pelos cabelos loiros, nervoso. — Eu não estou louco. Eu vi ele, Sabrina. O jeito que ele estava parado, o casaco preto… era ele. Eu sei que era ele.

Sabrina ficou em silêncio por um momento, observando Felix com cuidado. Ela sabia que ele estava sofrendo, e talvez sua mente estivesse encontrando formas de lidar com essa dor. Mas a intensidade com que Felix falava fez com que ela hesitasse. Ele realmente acreditava no que estava dizendo.

— Felix… — Sabrina começou, escolhendo suas palavras com cuidado. — Eu sei que você está passando por muita coisa, e que Hyunjin ainda está muito presente na sua vida… mas, e se você só está… vendo o que quer ver? O que você acha que faria sentido? Eu só… não quero que você se machuque ainda mais.

Felix balançou a cabeça, os olhos marejados.

— Não é isso, Sabrina. Eu… eu senti. Não foi só uma visão. Foi real. Algo dentro de mim me diz que ele está vivo. De alguma forma… ele está vivo.

Sabrina suspirou, tentando manter a calma diante da intensidade de Felix.

— E se ele estivesse vivo, Felix? O que isso significaria? Você acha que ele teria fugido, deixado você assim? Não faz sentido.

Felix ficou em silêncio, mordendo o lábio enquanto processava as palavras dela. Ele sabia que aquilo não fazia sentido, mas a visão havia sido tão clara, tão vívida, que ele não conseguia ignorar.

— Eu sei que parece impossível. Mas algo está acontecendo, Sabrina. E eu preciso descobrir o que é.

Sabrina se aproximou e colocou a mão no ombro de Felix.

— Eu estou aqui pra você, tá? Seja lá o que for, você não precisa lidar com isso sozinho.

Felix assentiu, embora o peso daquela visão ainda estivesse esmagando seu peito. Ele sabia que Sabrina queria ajudá-lo, mas, no fundo, ele também sabia que ela não podia compreender completamente. Só ele tinha visto Hyunjin, e só ele podia sentir aquela estranha certeza de que algo estava errado.

Felix saiu da companhia de dança no final da tarde, exausto e com a mente a mil. Ele ainda não conseguia esquecer a conversa com Sabrina, nem a visão de Hyunjin da noite anterior. Seu corpo estava no piloto automático, suas mãos tremiam levemente enquanto ele vestia o casaco de forma desajeitada.

— Merda… — murmurou, tentando puxar o zíper.

Ao levantar o olhar, seus dedos pararam. Seu coração deu um salto no peito.

Ali, do outro lado da rua, encostado em um carro preto, estava Hyunjin.

Felix congelou. Hyunjin estava parcialmente escondido por um capuz, mas Felix reconheceria aquele rosto em qualquer lugar, mesmo com a sombra que cobria parte de suas feições. Era ele. Hyunjin.

Os olhos de Felix se encheram de lágrimas imediatamente, seu peito começou a apertar de uma forma insuportável. Ele mal conseguia respirar, uma mistura de surpresa, alívio e uma dor que não conseguia definir. As palavras de Sabrina voltaram a ecoar em sua mente, dizendo que era impossível, que Hyunjin estava morto. Mas ali estava ele, vivo e em carne e osso, a poucos metros de distância.

— Hyunjin… — Felix sussurrou, sua voz embargada.

Felix arquejou e, sem pensar duas vezes, começou a acelerar o passo, correndo em direção a ele. Suas pernas estavam fracas, mas a necessidade de chegar até Hyunjin era maior. Ele precisava de respostas, precisava tocá-lo, precisava saber por que Hyunjin havia desaparecido da sua vida e agora estava fugindo de novo.

No entanto, assim que Felix começou a se aproximar, Hyunjin ficou tenso. Seu corpo pareceu endurecer, e em um movimento rápido, ele entrou no carro. Felix, desesperado, gritou:

— Hyunjin, espera!

Hyunjin não hesitou. O carro acelerou com um rugido do motor, saindo em disparada pela rua antes que Felix pudesse sequer se aproximar. O som dos pneus queimando o asfalto ecoou pela rua, e Felix viu a silhueta do carro se distanciar cada vez mais, até desaparecer no tráfego.

Felix parou no meio da calçada, os pés pesados como chumbo. Ele tentou correr mais, mas suas pernas se recusavam a seguir. Era como se o chão estivesse afundando sob seus pés, puxando-o para baixo. A respiração saiu em soluços curtos e irregulares, as lágrimas agora escorriam livremente por suas bochechas.

— Ele fugiu… de novo — Felix sussurrou para si mesmo, a dor em sua voz evidente. Seu coração parecia partir-se em mil pedaços mais uma vez, como na noite em que perdeu Hyunjin.

Ele não sabia o que fazer. Não sabia como seguir em frente. Tudo o que conseguia sentir era o vazio que Hyunjin havia deixado ao fugir novamente. E desta vez, Felix tinha certeza de que não era apenas sua mente pregando peças. Ele realmente o viu, e Hyunjin estava vivo. Em carne e osso.

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