Vinte e sete

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Hyunjin estava sentado no chão frio da casa abandonada que agora chamava de esconderijo. O silêncio era quase opressor, interrompido apenas pelo som distante de carros passando pelas ruas do Brooklyn. A escuridão do ambiente parecia refletir o estado de sua mente, uma confusão constante de pensamentos, emoções e arrependimentos. Ele esfregou as mãos no rosto, tentando afastar a imagem de Felix da sua cabeça, mas era impossível. Ele sabia que não deveria ter ido até ele, sabia que havia quebrado todas as suas próprias regras ao aparecer daquela maneira.

— Por que eu fiz isso? — murmurou para si mesmo, seus olhos escurecidos pela culpa e pelo amor não resolvido.

Ele se odiava. Odiava o fato de ter mentido, de ter forjado sua própria morte, de ter feito Felix sofrer. Cada vez que fechava os olhos, via o rosto de Felix desmoronando em lágrimas quando soube da sua “morte”. Aquele olhar, aquele desespero... era uma dor que ele nunca conseguiria esquecer. E agora, depois de tudo, ele ainda teve a audácia de voltar, de invadir o apartamento de Felix como um fantasma do passado, perturbando qualquer paz que Felix tivesse conseguido.

Mas Hyunjin não conseguiu resistir.

— Eu precisava vê-lo... — ele sussurrou, a voz falhando em meio à emoção.

Felix era tudo para ele. O amor que sentia por Felix era tão forte quanto o ar que precisava para viver, mas sabia que, ao retornar, estava apenas trazendo mais sofrimento para os dois. Ele havia visto nos olhos de Felix naquela noite; havia algo além do choque e do medo. Ele viu o amor, o mesmo amor que compartilhavam antes de tudo desmoronar.

Mas Felix estava com outra pessoa agora.

Hyunjin sabia disso. Ele tinha visto as fotos, tinha ouvido os boatos. A nova vida que Felix havia construído. E mesmo assim, havia algo nos olhos dele... aquele brilho familiar, a conexão que nunca parecia desaparecer, por mais tempo que passasse.

— Ele ainda me ama — Hyunjin murmurou, seus dedos se apertando contra os joelhos, enquanto tentava segurar as lágrimas que ameaçavam cair.

Mas esse pensamento apenas tornava tudo pior. Hyunjin sabia que Felix ainda o amava, mas também sabia que a vida que levava agora, nas sombras, envolvido em algo perigoso demais para sequer explicar, nunca permitiria que ficassem juntos de verdade. Ele o amava, mas o amor deles agora era uma ameaça. Estar perto de Felix era o mesmo que assinar a sentença de morte dele.

— Eu não posso fazer isso com ele... — Hyunjin murmurou para si mesmo, sua voz trêmula. — Eu não posso destruir a vida dele outra vez.

Ele inclinou a cabeça para trás, encostando-a na parede fria, sentindo o peso de tudo que não podia dizer, de tudo que não podia fazer. Estava preso entre o amor que nunca foi embora e a necessidade de proteger Felix a qualquer custo.

— Por que isso tinha que acontecer com a gente...? — Hyunjin fechou os olhos, finalmente permitindo que as lágrimas escorressem. Mesmo sabendo que precisava mantê-lo seguro, sabia também que não conseguiria ficar longe.

Hyunjin suspirou pesadamente enquanto pegava o notebook criptografado, o objeto que continha todos os detalhes de sua investigação secreta. Ele sabia que estava andando em uma linha tênue, mas era necessário. A facção coreana da qual ele havia descoberto os segredos sujos não podia continuar. Enquanto seus dedos deslizavam pelas teclas, ele revisava mais uma vez os documentos que havia coletado ao longo dos anos — transações bancárias fraudulentas, registros de tráfico humano, e-mails codificados.

A dor de perder seu pai ainda estava ali, latente, corroendo-o por dentro. Seu pai, um membro da facção, havia sido morto quando tentou expor as operações internas. Hyunjin tinha se aproximado da verdade pouco antes do assassinato de seu pai. Ao descobrir a ligação de seu pai com o esquema, ele tentou confrontá-lo, mas não houve tempo. O líder da facção, ao perceber que Hyunjin também estava se aprofundando demais nas investigações, havia planejado o "acidente" de carro.

Naquela noite fatídica, Hyunjin lembrou-se dos faróis cegando seus olhos, do impacto violento, do cheiro de combustível vazando. Ele deveria ter morrido. O acidente era uma execução disfarçada, mas Hyunjin havia sido mais rápido. Ele viu ali a oportunidade perfeita de desaparecer — de forjar sua própria morte antes que a facção o encontrasse e o matasse de verdade. Foi um risco calculado, mas era a única saída.

— O preço de saber demais... — murmurou ele, seus olhos presos na tela do notebook.

Hyunjin sempre soube que sua vida nunca mais seria a mesma. Quando decidiu mergulhar fundo no esquema de lavagem de dinheiro e tráfico humano, ele sabia que as consequências seriam pesadas. Mas o que mais o consumia era a traição vinda de seu próprio pai, que, por anos, havia escondido de sua própria família sua participação na facção criminosa.

Ele parou um momento, deixando os dedos repousarem sobre as teclas, encarando os arquivos abertos diante de si. Sabia que havia muito em jogo — não apenas sua vida, mas a de Felix, de todas as pessoas ao seu redor.

— Eu não posso falhar nisso — ele disse para si mesmo, determinado, sua mandíbula cerrada.

Hyunjin sabia que a facção estava monitorando seus movimentos, mesmo achando que ele estava morto. Cada e-mail enviado, cada ligação feita, era um risco. Mas ele precisava continuar.

Seu plano era claro: juntar provas suficientes para derrubar o líder da facção e, ao mesmo tempo, proteger Felix de tudo isso. Ele sabia que não poderia voltar para a vida que tinha antes, não com aquele perigo sempre à espreita. Mas precisava garantir que, ao menos, Felix estaria seguro.

Hyunjin voltou sua atenção para o notebook e começou a compilar as últimas evidências que havia reunido. Sabia que estava perto, muito perto de desmascarar toda a operação. Precisava apenas de mais uma peça, um nome crucial que ligava o líder da facção aos políticos que financiavam a organização. Esse nome ainda estava fora de seu alcance, mas ele sabia que o conseguiria.

Ao fechar o notebook, Hyunjin olhou pela janela do esconderijo vazio, os sons distantes do Brooklyn enchendo o ar. Seu coração estava pesado com a saudade de Felix, mas a responsabilidade que carregava pesava ainda mais.

— Vai acabar logo... — sussurrou ele para si mesmo, com os olhos fixos no horizonte. — E então, eu vou poder voltar para você.

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