Capítulo 32

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Liam Rodrigues

Nós brincamos com as crianças, assistimos ao filme que a Belinha e o Ítalo escolheram, e rimos muito. No entanto, notei que a Priscila estava esperando a Íris; ela olhava para a escada toda hora, mas a Íris não quis nem comer, muito menos conversar.

Acordei cedo hoje, ainda não eram cinco da manhã, e senti fome. Ao entrar na cozinha, encontrei Íris vasculhando os armários.

— Acordou com fome? — perguntei.

— Não, só estou perdendo tempo abrindo e fechando portas — ela respondeu, sarcástica.

— Bem, vou aproveitar as sobras da pizza — disse, indo até a geladeira.

Ontem à noite, a Priscila comprou quatro pizzas tamanho família e comeu uma inteira.

Coloquei a caixa de pizza na mesa, abrindo-a para revelar a tentadora mistura de frango com catupiry e portuguesa.

— Eu amo pizza de frango com catupiry gelada — falei, pegando uma fatia. Ela sentou na minha frente e pegou uma fatia de portuguesa.

— Você vai morar aqui todo dia? — ela perguntou.

— Se sua tia estiver cheia de trabalho e precisar que eu fique mais tempo aqui, eu fico. Além disso, gosto de estar com vocês. Fico muito sozinho na pensão, e aqui, pelo menos, tenho o seu mau humor...

— Eu não preciso de uma babá, eu não sou mais criança.

— Mas também não é uma adulta. Aproveite essa fase. Agora, quer falar o que aconteceu ontem? — perguntei, e ela colocou os pés em cima da cadeira.

— As garotas daqui me acham estranha, fora que na escola tem um monte de patricinhas metidas. Só tem uma garota que fala comigo, a Katiuscia, ela é bolsista. A mãe dela é faxineira da escola, ela é legal, mas as outras vivem pegando no meu pé. É tão diferente da minha outra escola, lá todos me conheciam e gostavam de mim, aqui eu não tenho ninguém...

— Você tem seus irmãos, sua tia e a mim também.

— Não é a mesma coisa. E a tia Priscila não quer a gente aqui, ela não gosta de mim, nem dos meus irmãos. Ela só está fingindo, no fim ela só se importa com ela — disse, voltando a comer a pizza.

— Ela não está fingindo, Íris. Se não se importasse, não pagaria uma das melhores escolas do país para vocês, nem teria feito o quarto dos seus irmãos com tanto carinho. E ela só não fez o seu porque quer que você faça do seu jeito. Ela está tentando ser legal com vocês, mesmo vocês aprontando todas. A fama que sua tia tem nem de longe é tão dura com vocês, ela se segura muito. Imagine para sua tia, que é obcecada em trabalho, largar quase todas as manhãs para pôr a mão na massa e fazer esses quartos.

— Verdade que ela só não fez o meu quarto porque quer fazer comigo? — Íris perguntou.

— Sim, Íris, eu quero fazer isso com você. Podemos ir esta semana, só não vamos hoje porque minha amiga nos chamou para passar o final de semana na casa dela. Mas, se você quiser ir hoje, eu aviso a ela — Priscila falou, entrando na cozinha e nos assustando. Ela estava com a Nina no colo e com a sonda, tentando evitar olhar para ela, que estava com um pijama de cetim vermelho com um lindo decote e meio curto.

— Você tem amigas? — Íris perguntou, chocada.

— Tenho, e ela é muito especial para mim. Mas ela mora no litoral. O que vocês acham de ir? Ela está louca para conhecer vocês — disse, me entregando a Nina. — Bom dia, Liam. Dá bom dia, princesa — falou para a bebê, que sorriu.

— Bom dia, você acorda ligada no 220 — falei, e ela sorriu, indo para a pia.

— Já estou acordada há muito tempo. A Nina resolveu que já estava bom de cama e aproveitei para trabalhar um pouco. Fora que a Isabela acordou no meio da noite com medo e tive que colocá-la de novo para dormir — explicou, lavando o recipiente e a sonda.

— Eu gostei das roupas — Íris falou, mudando de assunto.

— Que bom, podemos marcar para comprar outras — Priscila falou, enxugando as mãos.

— Pode ser, mas eu estou curiosa para saber que tipo de amiga você tem...

— Senhora, eu sou sua tia...

— Ok, que a senhora tem — corrigiu-se, e Priscila se sentou, pegando uma fatia de pizza enquanto Íris pegava outra. — Então vamos viajar?

— Se você quiser, vamos. Eu vou acordar a Belinha...

— Priscila, se acalma, coma sua pizza. Você está amamentando, tem que se alimentar direito. Na verdade, você não deveria estar comendo isso.

— Pizza é muito saudável...

— Viu, coma que eu acordo os dois...

— Mas você ainda não está trabalhando, pode devolver a minha bebê — disse, e apertei a bebê contra mim, que riu.

— Eu já estou acordado, posso sim. Vocês duas podem ficar conversando.

— Não, obrigada — Íris respondeu.

— Tudo bem, se você não quiser, não precisa — Priscila falou para ela. — Mas você pode passar o final de semana com a gente? — perguntou para mim.

— Posso sim. Eu nunca viajei depois que vim para São Paulo, vai ser divertido — falei.

— Já estou vendo a cara da Natália, ela vai surtar. Não vou na casa dela há muitos anos, ela tem um filho da idade da Belinha...

— Deixa eu adivinhar, você não vê ela desde que ela virou mãe — Íris disse.

— Não, eu vi ela na semana passada. Eu só não viajo para ir na casa dela, e ela foi para lá há três anos.

— Então foi só a minha mãe que você abandonou? — Íris falou, e notei que o sorriso no rosto de Priscila sumiu.

— Eu nunca abandonei a minha irmã. Eu sempre fiz de tudo para nos proteger, mas ela me trocou, me desprezou e fez igual a todos, virou as costas para mim. Nós tínhamos planos, lutamos muito para virmos juntas, para juntar dinheiro para virmos para cá. Eu entrei no ônibus tão animada, era um novo começo pela primeira vez seríamos livres e ela sabia o quanto eu precisava sair dali. Mas o seu pai chegou correndo e sua mãe desceu para falar com ele, mas ela não voltou, pelo contrário, eu a vi saindo da rodoviária. Eu tentei sair do ônibus, mas não consegui, ela me largou sozinha como todos fizeram, e nem se importou se eu não tinha dinheiro já que estava quase tudo com ela. Então, não venha me dizer que eu a abandonei, porque foi ela que fez isso comigo. Ela não se importou de virar as costas para mim, e muito menos mediu suas palavras. E, diferente dela, eu nunca a abandonei. Eu só preferi me afastar porque a senhora certinha nunca me entendeu e me culpava por que, diferente dela, eu não aceitei aquela vida cruel e fiz de tudo para nos defender — Priscila falou com os olhos cheios de lágrimas e saiu da mesa o mais rápido que conseguiu.

— Vá pedir desculpas à sua tia — falei, e Íris olhou para mim.

Ela assimilava tudo que a tia havia dito, enquanto processava algo mais, como se estivesse juntando peças em sua mente.

— Eu não sabia. Meu pai sempre falava que a nossa tia é uma egoísta, que ela não ligava para ninguém além dela, que ela nunca ia nos visitar porque tinha nojo da pobreza...

— A tia que você conhece é assim? Porque a mulher que eu conheço se importa muito com você e seus irmãos. Se ela não ligasse, estaria com vocês?

— Ela é a única parente que nós temos, ela está com a gente porque não tem opção...

— Ela poderia ter largado vocês em um orfanato, mas não fez isso. Diferente do que todos fizeram com ela, ela não abandonou vocês e olha que vocês não são fáceis de lidar — falei, e Íris ficou pensativa.

— As pessoas onde eu morava sempre falavam que a Priscila era um monstro, que ela é o demônio em pessoa. Minha mãe, nesses últimos meses, estava muito pensativa e sempre tentava falar com a tia Priscila, mas nunca conseguia. Eu achei que o problema era que a tia Priscila fosse muito metida.

— Será que sua mãe não queria pedir desculpas?

— Minha mãe era a melhor pessoa do mundo, tão doce, calma. Já a tia é o oposto.

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Continua...

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