Liam Rodrigues
Continuamos arrumando a cozinha, e Priscila foi até a sala para amamentar Nina. Ouvi o celular dela tocar, mas não prestei atenção na conversa. Quando ela voltou com Nina nos braços, percebi imediatamente que algo havia mudado. A animação havia desaparecido de seus olhos, substituída por uma sombra de preocupação que não passou despercebida por mim.
— Liam, pretendo ir embora por volta das dez horas — ela informou, entregando-me Nina, que sorria inocentemente.
Mas a cara da Priscila não estava nada boa.
— Você só vai depois do almoço, e isso é final de conversa — disse Ramon, tentando trazer um pouco de leveza. — Deixe as crianças se divertirem.
— Preciso criar uma campanha inteira até amanhã. Não sei como lidar. Eles querem algo diferente e houve mudanças de última hora...
— Dificuldades? — perguntei, preocupado com sua tensão. Ramon também parecia preocupado, tanto que pegou Nina do meu colo para aliviar a carga de Priscila.
— Sim, e esta campanha é crucial. Com minha vida desorganizada assim, fica ainda mais difícil. Não duvido que possa acabar desempregada.
— Eles não são loucos de fazer isso — tentei tranquilizá-la, embora soubesse das pressões do mundo corporativo. Ela me lançou um sorriso fraco.
— São sim. No mundo corporativo, posso ser a melhor por muito tempo, mas se não servir mais, sou descartada. Nada neste mundo é insubstituível. Sou boa, mas quantas Priscilas existem por aí? Infelizmente, neste momento, se você não consegue dar o seu 100%, não serve.
— Você é maravilhosa, eu sei que consegue. E eu vou te ajudar — disse, pegando-a de surpresa.
— Você vai me ajudar? — perguntou, confusa.
— Não posso?
— Se você souber como criar uma campanha de chocolate falando sobre amor sem mencionar amor, e ainda com uma abordagem diferente do habitual, eu aceito.
— Difícil, mas não impossível. O que você mais ama no mundo? — perguntei, e seus olhos se voltaram imediatamente para Nina. Eu já sabia a resposta antes mesmo de perguntar.
Eu não sei como é a história de Priscila com o pai de Nina, se ele a machucou ou algo do gênero, mas tenho certeza de que ele é ausente na vida de Nina. Afinal, não o conheço, e com certeza ele fez algo para deixar Priscila tão fechada aos sentimentos. E só consigo ver o amor mais sincero e verdadeiro de Priscila por Nina.
— Você é um gênio, Liam — ela falou, me abraçando rapidamente e depositando um selinho. Ela se afastou subitamente, corando intensamente como se meu toque a tivesse chocado.
Eu não tive como esconder o sorriso que surgiu nos meus lábios. Ela foi tão espontânea, e eu gosto tanto dessa Priscila.
— Não sou tudo isso, mas que tal usarmos as crianças para falar sobre a importância das pessoas...
— Mas eles querem falar sobre amor — ela disse, com uma expressão confusa.
— O amor varia de pessoa para pessoa. Tem diferentes formas e tamanhos, mas não importa a intensidade ou a duração, ele é amor — expliquei, e ela escutou atentamente. — Ainda não sei exatamente como fazer isso.
— Mas tive uma ideia. Só preciso encontrar as palavras certas para o slogan. Algo como "Master-cacau, o sabor de cada momento" — ela sugeriu, e eu fiz uma careta involuntária.
— Muito genérico, não acha? — questionei, vendo sua expressão desanimar concordando.
— Você tem razão. Acho que não vai funcionar — ela murmurou, encostando a cabeça na bancada.
— Ei, olhe para mim — chamei sua atenção. — Você é Priscila Barcella, a CMO da maior empresa de marketing da América Latina. A única mulher a alcançar esse posto. Você é incrível. Então, erga a cabeça e mostre para essa sociedade machista que uma mãe pode ser a melhor escolha — encorajei-a, vendo-a erguer o queixo. — E não estou dizendo isso só para agradar.
— Eu sei. Vou tomar banho e arrumar a Nina, e você pode fazer o mesmo. Vamos até uma loja da Master-cacau comprar vários chocolates — ela disse, sorrindo.
Ela parecia estar empolgada, e achei que era o momento certo para falarmos dos nossos beijos na noite anterior.
— Certo, vou tomar banho — respondi, sorrindo também. — E sobre ontem...
— Podemos fingir que nada aconteceu? — ela pediu, e aquilo me atingiu como um soco no estômago. Como ela poderia fingir que nada aconteceu, que não sentiu o que eu senti? Beijá-la foi algo mágico, uma sensação que nunca havia experimentado. Como eu poderia simplesmente ignorar isso?
— Obrigado por ser compreensivo. Acho que seria o melhor, já que você é o babá das crianças. Não quero que as coisas fiquem confusas. Você é meu funcionário, e poderia me denunciar por assédio.
— Jamais faria isso. Fui eu quem quis te beijar. — falei sem nem acreditar que ela achou mesmo que eu pudesse fazer aquilo.
— Mas isso não está certo.
— Claro, porque você é rica e eu sou... — fui interrompido.
— Nada disso. Hoje posso ter dinheiro, mas isso é irrelevante. A questão é que não sou boa com sentimentos. E eu não posso te envolver na bagunça que é minha cabeça. — ela começou a tentar me explicar, e não falar com uma certa parecia estar lutando com ela mesma para falar. — Se eu tiver medo, posso acabar te mandando embora. Mas não posso fazer isso com as crianças. Elas gostam de você.
Eu só posso ser um idiota de achar que ela sentisse algo por mim. Com certeza só supri a carência momentânea dela.
— Tudo bem, senhora. Se prefere assim, vamos deixar bem definido. Você é a patroa e eu sou um funcionário.
— Não é bem assim, Liam.
— Com licença, senhora Barcella. Vou me arrumar para acompanhá-la. A senhora quer que eu arrume as crianças?
— Liam, não precisa se preocupar com isso. Eu sou a Priscila...
— Com licença — disse, saindo. Claro que estava chateado. Ela também me beijou. Ela quis aquele beijo, e agora quer fingir que nada aconteceu. Como eu poderia simplesmente ignorar meus sentimentos por ela?
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Continua...
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O babá
רומנטיקהApós a trágica morte de sua irmã e cunhado em um acidente, Priscila, uma renomada empresária conhecida por sua dedicação implacável à carreira, se vê inesperadamente responsável pelos seus quatro sobrinhos órfãos. Acostumada a lidar com os desafios...