Capítulo 49

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Liam Rodrigues

Passei a noite toda acordado, mergulhado em papéis e ideias para a campanha, mas minha cabeça só conseguia voltar para Priscila. Raiva. Eu estava com raiva, claro que estava, mas, no fundo, o que eu sentia era algo mais confuso. Como eu poderia esperar que ela gostasse de mim? Ela tem Max – o pai da filha dela, o homem rico e cheio de charme. Ele olha para ela de um jeito que deixa claro que o sentimento ainda está ali. Talvez ela olhe para ele da mesma forma, e eu... bem, eu sou só o babá.

Pela manhã, fiz o possível para evitar Priscila. Não seria difícil, ela estava atrasada e parecia agitada. Aproveitei o silêncio para ir até o quarto das meninas e encontrar minha pequena bonequinha.

— Oi, bonequinha... será que um dia você vai entender toda essa bagunça? Olha só, podia não puxar tanto a sua mãe, viu? — murmurei, enquanto a colocava no colo. — Mas sinceramente Ela só me olhava com aqueles olhos grandes e curiosos, como se me escutasse e guardasse tudo em segredo. Era tão fácil conversar com ela.

Quando comecei a dar o banho, ela se derretia em risadas e espirros, encantada com a água. Parecia que o mundo inteiro dela cabia ali, e eu queria desesperadamente fazer parte desse mundo.

— Sabe, pequena, eu gosto da sua mãe. E não é fácil esconder isso. Tento agir como se nada estivesse acontecendo, mas... já estou envolvido demais. Eu gosto tanto de você quanto dela. Mas quem sou eu? Só um cara que teve sorte de conseguir esse emprego. Nada mais do que isso, né?

Vesti nela uma roupinha que Priscila tinha separado, algo delicado que a deixava parecendo uma boneca de porcelana. Depois, me preparei para levá-la até a mãe. Priscila comprou uns ternos para eu usar, mas são desconfortáveis demais para ficar com as crianças. Uma bermuda e uma camisa funcionam muito melhor.

— Você já está linda, agora eu vou ficar bonitão para vermos a sua mãe — disse para ela, que soltou uma risadinha. — Concorda comigo que a sua mãe é muito bonita? Acho que eu só seria um joguinho para ela.

Eu estava realmente conversando com uma bebezinha. É, eu precisava mesmo de amigos, mas gostava de falar com ela. Então, ouvi uma batida na porta. Era a Josefa.

— A senhora pediu para avisar que está em uma reunião e que talvez demore — ela disse.

— Certo, mas vou esperar um pouco. Quando esta bonequinha está com fome, é um choro sem fim — falei, abraçando-a.

Josefa me olhou por um momento, como se estivesse tentando entender algo mais profundo.

— Desculpe me intrometer, mas o que aconteceu nessa viagem? A senhora voltou diferente, pelo menos é o que a Joyce comentou.

— Acho que ela precisava de um tempo...

— Eu sou velha, mas não sou cega. Você também está diferente. Sabe, eu conheço a Priscila há muito tempo. Ela tem medo de amar. Você não seria o primeiro que ela sente algo e não corresponde...

— Está falando do Max? — perguntei, curioso.

— Max? Eles têm uma amizade diferente. Bom, eles sempre falaram que eram só amigos, mas pareciam mais namorados. Ele entende que ela tem dificuldade em ter compromisso e se apegar. Mas acho que ele cansou de sempre se entregar sozinho na relação. Ela é uma pessoa muito boa, mas as cicatrizes dela a impedem de ser feliz. Não falo nada porque não posso, mas o medo de sofrer ainda a controla. Então, na cabeça dela, é mais fácil evitar todos e não se apegar.

— Essa lógica não faz muito sentido, não acha?

— Não faz, mas é o jeito dela de se proteger.

— E os pais dela?

— Ela não fala muito. A mãe faleceu quando Priscila era pequena, e ouvi a Natália dizer uma vez que nem todos os homens eram como o pai e o tio dela. Então, ela nunca teve amor... nunca perdoou a irmã. Até as crianças chegarem, a Priscila sempre andava séria, e eu só a via sorrir com Natália ou Max, os dois sempre trouxeram à tona o lado oculto da Priscila.

— Ela ainda chora, sabe? Já passei por ela e a vi olhando a foto da irmã, como se o mundo tivesse parado ali.

Josefa suspirou, o olhar carregado de ternura.

— Ela amava muito a irmã, só não consegue admitir. É cabeça dura, mas, por outro lado, tenho visto uma mudança nela. Sabe, não é fácil para Priscila se entregar a alguém. Mas vi vocês juntos, e ela sorri com você. Se realmente quiser algo com ela, precisa estar disposto a lutar.

— Acha que ela sente alguma coisa por mim? Eu sou só o babá...

— O homem que faz ela sorrir. Você não é só o babá e ela sabe disso.

Essa conversa ficou martelando na minha cabeça enquanto eu me preparava para levar a bonequinha até Priscila.

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Ao chegar na empresa, carregando a bebê no colo, percebi que o andar estava vazio, o que nunca tinha visto naquele lugar e nenhuma das secretárias dela estavam lá. Quando ia voltar para o estacionamento, acabei esbarrando em um homem.

— Olha por onde anda! — ele reclamou, e a pequena Nina se assustou, começando a chorar.

— Foi um acidente... Me desculpe. — pedi sem nem olha para ele tentando acalmar a Nina.

— E o que você está fazendo aqui com um bebê? — outro homem perguntou, com desdém.

— Eu vim para...

— Acho bom você sair antes que eu chame os seguranças. Aqui não é lugar para pedir esmola...

— Eu não vim pedir esmola, eu vim...

— Já mandei você ir embora. Aqui não temos espaço para nordestino preguiçoso.

Aquelas palavras cortaram fundo, mas antes que eu pudesse responder, ouvi a voz de Priscila, firme e carregada de indignação.

— O que foi que você disse, Felipe? Isso é xenofobia, e nesta empresa ninguém é diminuído por origem, cor ou raça. Eu sou piauiense com orgulho, nasci no sertão do Nordeste, numa terra seca, mas de um povo batalhador que não abaixa a cabeça.

Max também se aproximou, claramente percebendo a tensão.

— O que está acontecendo aqui? — ele perguntou, encarando Felipe.

— A senhora Barcella está exagerando. Eu só estava pedindo para ele sair com o bebê. Aqui não é lugar para crianças, é proibido.

— A Nina tem livre acesso, né, princesa do Papai? — Max falou, pegando Nina do meu colo. A expressão de Priscila se transformou em algo que misturava confusão e indignação.

E aí começou um murmúrio entre os funcionários. Nina, assustada, começou a chorar.

— Vem com a mamãe, amor — Priscila falou, pegando-a e acariciando sua cabecinha.

Foi então que o homem com quem esbarrei abriu um sorriso de lado para Priscila, atrevido.

— Então esta é a bebezinha que impede você de sair à noite? — ele provocou.

Na mesma hora, tanto eu quanto Max o olhamos com uma expressão nada amigável.

Priscila ignorou a provocação, falando suavemente para a bebê:

— Esta é a minha bonequinha. Diga oi para o tio, Nina.

Olhei para eles, sentindo a distância entre nossos mundos. Como eu, sendo só o babá, poderia ter alguma chance com ela? Se nem Max, com toda a sua posição, tinha sido suficiente para ela... que chance eu tinha?

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Continua...

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