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Radinho estava sentado no bar, os cotovelos apoiados na mesa de madeira marcada por cicatrizes do tempo. Ele segurava a cerveja entre os dedos, mas parecia estar perdido em pensamentos, seus olhos fixos no fundo do copo como se tentasse encontrar alguma resposta ali. Ao seu lado, o fuzil era sua sombra silenciosa, e Foguinho estava com ele, mas sabia que o amigo estava distante demais para uma conversa real. Era como se Radinho tivesse se trancado em um labirinto interno, cheio de lembranças que ele tentava esquecer na marra, uma dose atrás da outra.

Quando o telefone tocou mais cedo e ninguém falou nada, ele riu, meio amargo, pensando em quantas ligações sem resposta ele mesmo tinha feito. Mas o riso morreu rápido, substituído pela raiva. Naquela noite, tudo parecia um peso a mais para carregar: a saudade de Beatriz, as noites em claro, as palavras que nunca teve a chance de dizer... Estava afundado nisso, e mesmo a cerveja não parecia aliviar. Agora, o telefone tocava novamente, mas ele nem se dava ao trabalho de atender. Apertou a garrafa com mais força, os pensamentos em Beatriz insistindo em voltar.

Foguinho, ao seu lado, tentava puxar conversa, contar alguma coisa sobre o movimento no Dendê, as fofocas de quem passou na boca. Mas Radinho só assentia, com aquele olhar vazio que cortava qualquer clima de descontração. Foguinho suspirou, desviando o olhar. Ele sabia o que estava acontecendo, sabia que o amigo estava consumido pelo arrependimento, pelo silêncio ensurdecedor de uma história inacabada.

Radinho tomou outro gole, sentindo o amargor da cerveja descendo, mas era como se nada ali pudesse preencher o buraco no peito. Ele queria esquecer Beatriz, queria parar de esperar um toque no telefone que nunca viria com a resposta que ele desejava. No fundo, sabia que essa ausência o arrastava ainda mais para o fundo.

Radinho suspirou fundo, largando a garrafa vazia com um baque seco na mesa. Ele olhou para Foguinho com uma expressão endurecida, mas com um brilho desafiador nos olhos que trazia um quê da antiga chama que ele costumava ter.

-É o seguinte, mano- ele começou, enquanto passava a mão pelo fuzil ao seu lado, quase como se aquilo fosse uma extensão dele. -Eu não vou ficar aqui nesse martírio, não. Cansei dessa parada. Vou pro baile hoje, e a gente vai estourar tudo, do jeito que eu gosto. Vou me divertir e tu vai também. E pode chamar o Sem Sintoma, tá ligado?

Foguinho, no entanto, hesitou. Ele olhou para Radinho, tentando medir as palavras antes de abrir a boca. Sabia o quanto Beatriz tinha mexido com o amigo, o quanto ela ainda ocupava seus pensamentos, e também sabia que aquela decisão impulsiva de ir para o baile poderia ser mais uma forma de tentar esquecer a dor – ou de se afundar ainda mais. Foguinho pensou em falar isso, em alertá-lo, mas sabia que Radinho não estava num momento em que ouviria qualquer coisa que o levasse a refletir.

-Tu tem certeza disso, Radinho? Cê tá meio zuado depois desse lance da Beatriz. -Foguinho tentou argumentar, numa última tentativa de apaziguar o espírito inflamado do amigo.

Radinho, porém, deu uma risada curta e seca, batendo com a palma da mão na mesa. -Não quero saber, irmão. Certeza é a única coisa que eu tenho. Cê acha que eu vou ficar aqui parado, vendo a vida passar e sofrendo por causa de quem não tá mais aqui? Não,  já foi.

Foguinho viu o quanto Radinho parecia determinado, mas a inquietação não o deixava em paz. Ele sabia que o amigo estava forçando uma fachada, tentando se convencer de que estava tudo bem, mas por dentro ainda estava destruído. Foguinho queria falar isso, fazer Radinho enxergar que talvez aquela noite no baile só pioraria a situação. Ainda assim, sentiu que qualquer palavra de alerta soaria vazia, insignificante diante da dor que o amigo estava carregando.

-Beleza, então. Eu vou contigo-Foguinho respondeu, ainda com a cautela estampada no rosto. -Mas vamo só manter a cabeça fria, Radinho, vamo curtir, mas sem esquentar as coisas, tá ligado?

IMPUROS-Radinho Onde histórias criam vida. Descubra agora