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Beatriz acordou no dia seguinte com uma leve pontada de dor irradiando de seu pé. Ainda cansada, permaneceu deitada por alguns minutos, encarando o teto e tentando reunir forças para levantar. O desconforto no pé a fazia lembrar de tudo o que havia passado, mas ela se forçava a afastar os pensamentos, pois sabia que precisava se manter forte.

Com cuidado, ela se sentou na beira da cama e, apoiando-se nos móveis, levantou-se devagar. A cada passo mancado, uma careta de dor surgia em seu rosto, mas ela continuou, determinada a ir até a cozinha. Ao chegar, viu Wilbeth sentado no sofá da sala, pensativo, com o olhar distante.

Assim que ele percebeu sua presença, virou a cabeça lentamente, avaliando-a com um meio sorriso cansado. "Tal pai, tal filha," comentou ele, quebrando o silêncio, o olhar fixo no pé enfaixado dela. Beatriz demorou alguns segundos para entender, até que a menção ao próprio pé amputado dele a atingiu.

Ela revirou os olhos, mas não conseguiu conter uma risada curta. "Engraçadinho você, hein?" respondeu, cruzando os braços e apoiando-se no batente da cozinha.

Wilbeth deu de ombros, com um sorriso que misturava humor e carinho. "Não é todo dia que vejo alguém mancando assim e ainda tentando bancar a durona. Igualzinho ao que eu fazia." Ele a observou mais de perto, percebendo o quanto ela parecia exausta, mas também determinada a se mover apesar da dor. "Mas, sério, precisa descansar. Não adianta forçar agora."

Beatriz suspirou, mancando até a mesa e se sentando com cuidado. "Não consigo ficar deitada o dia todo. Além disso, tem muita coisa passando pela minha cabeça, e... você sabe como é."

Wilbeth assentiu, pegando uma caneca de café. "Eu sei," disse, a voz mais suave desta vez. "Mas é por isso que você precisa se cuidar. A gente carrega muita coisa nessa vida, mas não pode deixar que isso destrua o que ainda resta."

Apesar de tudo, aquele momento trouxe um calor reconfortante para o coração dela. Por mais bagunçada que fosse a vida, ali, naquele instante, ela sabia que não estava sozinha.

Quando Wilbeth começou a falar, o tom mais sério dele a fez endireitar a postura. As palavras saíram devagar, mas cada frase parecia um golpe para Beatriz.

— Eu conheci uma mulher... faz uns tempos — começou ele, desviando o olhar, como se organizar as palavras fosse uma batalha. — Helena é o nome dela. Era assistente de direção, dessas que aparecem por aqui para fazer clipe, documentário... algo assim.

Beatriz piscou lentamente, já desconfiada, mas ainda ouvindo.

— E daí? — ela perguntou, a voz carregada de desinteresse, mas algo no tom do pai a mantinha alerta.

Wilbeth suspirou fundo, passando a mão no rosto como se aquilo fosse a coisa mais difícil que já dissera.

— Ela queria gravar no Dendê. Eu... a ajudei com algumas coisas, só isso — ele parou por um instante e a encarou, como se medisse a reação de Beatriz. Ela apenas arqueou as sobrancelhas, esperando. — Mas deu problema. Ela filmou algo que não devia... — Wilbeth fez uma pausa, evitando os detalhes. — Ela teve que sair do país para não morrer.

Beatriz estreitou os olhos, começando a perceber que aquela conversa tinha algo maior por trás.

— Tá, e daí? O que isso tem a ver comigo? — insistiu, cruzando os braços com força.

Wilbeth respirou fundo novamente, os ombros tensos. Ele sabia que estava prestes a jogar uma bomba.

— Ela voltou pro Brasil... e... — ele hesitou, finalmente levantando o olhar para a filha. — Ela está grávida, Beatriz. Grávida de mim.

O silêncio que se seguiu foi tão pesado que parecia uma entidade na sala. Beatriz piscou algumas vezes, o cérebro tentando processar aquelas palavras. A incredulidade tomou conta de seu rosto enquanto ela passava a mão na cabeça, rindo de puro nervosismo.

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