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Beatriz se deitou sobre a mesa fria de metal, apoiando a cabeça nos braços cruzados. O silêncio da sala de interrogatório era quase absoluto, quebrado apenas pelo som da respiração dela. Seus pensamentos se dispersaram enquanto o cansaço tomava conta, e ela começou a revisitar os últimos dias, cada detalhe perturbador da sequência de eventos que a trouxera até ali.

O tempo parecia não passar enquanto ela tentava entender a si mesma e as escolhas que a levaram àquela sala. Três horas se arrastaram como uma eternidade. Ela lutava para manter-se acordada, o corpo dolorido e a mente pesada. As paredes fechadas a cercavam, e ela se sentia como se estivesse presa em um espaço ainda mais estreito, dentro dos próprios pensamentos.

Finalmente, o som de passos se aproximando rompeu o silêncio, trazendo-a de volta ao presente com um sobressalto.

Beatriz ergueu a cabeça devagar, seus olhos se encontrando com os do homem que acabara de entrar na sala. Ele parecia desgastado, como alguém que carregava anos de cansaço no rosto, mas seu olhar era firme, penetrante, avaliando cada detalhe dela. A fumaça do cigarro que ele acendia subiu lentamente, espalhando-se pelo ar estagnado do cômodo.

-Nome completo e idade- ele dizia a voz grave, mas não agressiva, enquanto folheava o documento em mãos, sem desviar o olhar de Beatriz.

Ela respirou fundo, lutando contra o nó na garganta. -Beatriz Martins... 17 anos. -A resposta saiu baixa, quase um sussurro. Ela sentiu-se pequena sob o olhar atento do homem, como se ele pudesse enxergar através dela, direto até cada segredo que carregava.

Ele assentiu brevemente e fez algumas anotações, as mãos trabalhando de maneira metódica, sem pressa. Por um instante, Beatriz teve a sensação de que ele já sabia mais sobre ela do que estava disposto a mostrar.
Vitor Morello se ajeitou na cadeira, recostando-se com um leve suspiro e observando Beatriz com uma expressão que misturava curiosidade e calma. Ele parecia alguém que sabia muito bem o que estava fazendo, como se aquela postura e o jeito sereno fossem parte de sua própria identidade. Com um aceno de cabeça, ele quebrou o silêncio.

-Meu nome é Vitor Morello-  ele começou, o tom grave, porém acolhedor, como se fosse uma conversa entre conhecidos. -Mas pode me chamar só de Morello. Vim até aqui porque ouvi o que aconteceu...-  Ele fechou o documento e o colocou sobre a mesa, mostrando-se interessado em ouvir o que ela tinha a dizer diretamente. Seus olhos cansados permaneciam firmes nos dela, como se esperasse que ela desabafasse a verdade.

Beatriz tentou manter a calma, mas o nervosismo a fazia trair alguns pequenos gestos, como a mão que se apertava contra a borda da mesa. Ela respirou fundo e começou a falar, a voz entrecortada de hesitação e emoção. -Meu pai... ele... ele me batia todo dia. -  As palavras saíram carregadas de um falso peso, com uma intenção bem ensaiada, embora houvesse uma ponta de verdade misturada, que apenas ela entendia. -Eu só... eu só ficava quieta. Tentava lidar com isso. Mas o Lucas, meu namorado... ele não podia ver isso acontecer e ficar sem fazer nada.

Ela fez uma pausa, como se estivesse tentando organizar seus pensamentos, e desviou o olhar, fingindo evitar o contato visual por causa da "dor" que relembrar aquilo lhe causava. -Ontem... Lucas foi até lá, tentou me proteger. Eles brigaram. E... e o Lucas levou a pior.

Morello continuou a observá-la, com um interesse genuíno, mas também uma desconfiança velada que não chegava a se traduzir em palavras. Ele apenas aguardava, ouvindo com atenção cada palavra que saía de seus lábios. Beatriz sentiu-se quase testada, tentando manter a calma enquanto contava sua versão ensaiada.

Morello suspirou fundo, claramente cansado, e se acomodou na cadeira, praticamente se jogando nela, enquanto passava os olhos pela ficha de Beatriz. Ele parecia estar organizando seus pensamentos antes de voltar a olhar para ela, a expressão mais séria agora.

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