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Beatriz se espreguiçou lentamente, sentindo a luz fraca que entrava pelas frestas da janela. Seus olhos ainda sonolentos se ajustaram à claridade, e ela olhou ao redor do quarto. O lado da cama ao seu lado estava vazio, o lençol bagunçado indicando que Radinho já havia saído cedo. Ela suspirou, um misto de preguiça e resignação, sabendo que ele provavelmente estava no barracão lidando com os corres do dia.

Ela estendeu a mão para o criado-mudo, pegando o relógio para conferir as horas. Era mais tarde do que ela pensava, mas o silêncio no ambiente deixava claro que a casa estava vazia. Beatriz se levantou devagar, o cabelo desgrenhado e os pés descalços tocando o chão frio. No canto do quarto, seus olhos encontraram uma camisa de Radinho jogada sobre uma cadeira.

Sem pensar duas vezes, ela a pegou e a vestiu. O tecido ainda tinha o cheiro dele, uma mistura de perfume barato e algo que era exclusivamente dele, o que fez Beatriz sorrir sem perceber. A camisa ficou grande nela, caindo até o meio das coxas, e ela revirou as roupas espalhadas pelo quarto até encontrar um shortinho que parecia ser dela.

Com a roupa improvisada, ela caminhou até a pequena janela do quarto e olhou para o morro. O movimento típico do Dendê já começava, com pessoas subindo e descendo as vielas. Beatriz se apoiou no parapeito, perdendo-se por alguns minutos nos sons e nas cores do lugar que, apesar de tudo, era sua casa.

  Ela sabia que sair do Dendê naquele momento era arriscado. Mesmo que a ideia de ficar confinada fosse sufocante, não havia outra escolha. Beatriz suspirou profundamente, afastando-se da janela e indo em direção à cozinha para preparar algo rápido. Ela estava sozinha, mas isso não era exatamente novidade. A vida ali era cheia de momentos como esse, de espera e incerteza.

Enquanto mexia no café, seus pensamentos vagavam para Radinho e Wilbeth. Será que Wilbeth continuava implicando com Radinho quando estavam sozinhos? Ou será que finalmente havia aceitado que Radinho era parte da vida dela? Beatriz riu sozinha ao imaginar os dois discutindo. Apesar de tudo, ela sabia que ambos estavam fazendo o melhor para protegê-la.

Beatriz estava prestes a terminar de terminar o café quando o som estridente do telefone invadiu o silêncio da casa. Ela caminhou até ele, secando as mãos em um pano de prato, e atendeu com certa preguiça, sem esperar nada além de alguma cobrança ou recado de Radinho.

— Alô? — disse, casualmente, enquanto segurava o telefone entre o ombro e o rosto, voltando a mexer no café.

— Beatriz! — a voz feminina do outro lado da linha explodiu com uma alegria inesperada. --Por que não me avisou que voltou pra casa?

Beatriz parou no meio do movimento, a colher paralisada na xícara. A pergunta da amiga ecoou em sua cabeça. "Voltei pra casa? Que casa?essa mina e burra ou não viu a reportagem pra estar me ligando?"

— Ah... é você, Débora! — improvisou Beatriz, tentando ganhar tempo para processar o que estava acontecendo. — Pois é, foi tudo tão rápido que nem deu tempo de avisar...

— Rápido mesmo! E você nem me disse que o seu pai tá de volta. Fui passar lá na sua casa antiga ontem e vi o Roberto. Quase não acreditei! Achei que vocês estavam juntos, mas ele disse que você não tava em casa. Achei que ia te ver hoje...

Beatriz sentiu um nó apertar em sua garganta. Algo não estava certo, mas Débora soava tão animada que Beatriz decidiu não demonstrar surpresa.

— É... pois é, ele voltou. A gente não tá exatamente morando junto, mas... tô dando um tempo pra resolver as coisas, sabe? — Sua voz era calma, mas sua mente estava em frenesi. Como ele podia estar lá?

— Ai, amiga, que bom! — respondeu Débora, sem perceber o desconforto de Beatriz. — Você sempre falou tanto dele, é tão bom saber que ele tá de volta.

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