Confissões.

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Antes que pudessem continuar a conversa, um garoto pequeno, com cabelos encaracolados e olhos brilhantes, apareceu de repente, mexendo em algumas escovas e potes de esmalte na mesa de Alexandra. 




— Airton! — chamou Geise, virando-se para ele com uma expressão de falsa severidade. — Sai de perto das coisas da Alexandra, menino! Já falei que isso aqui não é parque de diversão.



Airton fez uma careta, mas obedeceu, parando de mexer nos objetos. Geise suspirou e apontou para Sara. 



— E dá um oi pra Sara, vai. Seja educado. 



O menino olhou para Sara, tímido no início, mas depois abriu um sorriso travesso. 



— Oi, tia! — disse ele, acenando com uma das mãos. 


Sara sentiu o coração se aquecer com o gesto simples e carinhoso. 


— Oi, Airton. — respondeu com um sorriso genuíno. — Tudo bem com você? 



— Tudo. — respondeu ele com entusiasmo, já esquecendo a bronca de Geise. 


Geise balançou a cabeça, rindo. 



— Esse aqui é um levado, mas é meu orgulho. Não desgruda de mim por nada. 


Sara sorriu para o menino, sentindo-se estranhamente acolhida naquele pequeno momento de interação. 


— Ele é adorável. 



Geise soltou uma gargalhada. 



— Adorável só quando tá dormindo, mulher! — Mas, ó, não repara, tá?


— Não se preocupe. — disse Sara, rindo. — Eu gosto disso. Faz tudo parecer mais… humano, sabe? 



Geise a olhou com um sorriso satisfeito, como se tivesse decidido naquele momento que gostava de Sara. Como se sentisse que Sara fosse ser uma grande amiga.








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Depois de sair do salão, Sara sentiu que precisava aproveitar o restante do dia para organizar sua nova rotina. Caminhou até o pequeno mercadinho do Dendê, uma estrutura simples, mas que parecia ter tudo o que ela precisava. Escolheu alguns legumes e temperos básicos para preparar o jantar e decidiu voltar para casa, aproveitando a tranquilidade momentânea. 


O sol já começava a se pôr, tingindo o céu com tons alaranjados, quando uma voz conhecida chamou seu nome com urgência. 


— Sara! 


Ela se virou rapidamente, reconhecendo a figura que vinha em sua direção. Era Pedro, Ele estava com a camisa levemente amassada e um olhar carregado de frustração. 



— O que você está fazendo aqui? — perguntou Sara, surpresa, mas já sentindo a tensão crescer. 



— Eu vim atrás de você. — respondeu ele, ofegante. — Isso tem que acabar, Sara. Você precisa voltar para casa. 



Sara cruzou os braços, encarando-o com firmeza. 



— Eu não vou voltar, Pedro. — disse sara, com determinação. — Minha vida não é mais lá. 



Pedro deu um passo à frente, abaixando o tom da voz como se tentasse apelar à razão dela. 



— Você está cometendo um erro. Esse lugar, essas pessoas… Você não pertence a isso, Sara. Você merece algo melhor.  — Seu pai tá preocupado.....ele está disposto a esquecer seu delize.



Ela estreitou os olhos, irritada. 


— "Algo melhor"? Wilbert é algo melhor, Pedro. Meu pai não se importa com ninguém além dele e do cargo de governador que ele tem tanto orgulho em falar que exerce. — disse sara, com a voz carregada de irritação. — Ele me prendeu dentro do quarto como se eu fosse um animal em cativeiro. Acha que esse homem é normal? Eu quero uma vida decente, onde eu posso usufruir do meu direito de ir e vir.



As palavras dela fizeram Pedro apertar os punhos, e sua expressão passou de implorante a furiosa. 




— Decente? — ele praticamente cuspiu a palavra. — Você acha mesmo que esse… traficante pode te dar alguma coisa boa? Sara, ele não tem futuro! E você… você vai acabar jogando sua vida fora por causa dele. 



— Isso não é da sua conta, Pedro! — gritou Sara, sentindo a raiva borbulhar. 



— Não é da minha conta? Porra sara eu te amo, será que você não percebe isso. Todos esses anos...eu só quero o seu melhor e você age como se eu fosse o errado. — Pedro deu uma risada seca, carregada de sarcasmo. — Foi por sua causa que eu… 


Ele parou de falar abruptamente, mas já era tarde demais. Sara franziu o cenho, percebendo que ele estava escondendo algo. 


— Por minha causa, o quê? — pressionou ela, a voz mais baixa, mas cheia de intensidade. 


Pedro desviou o olhar, mas o silêncio só fez Sara insistir ainda mais. 


— Pedro, fala agora! 


Ele finalmente explodiu, incapaz de segurar a raiva. 


— Foi por sua causa que eu contei pro seu pai sobre o Wilbert! Tá bom?! — Eu contei pra ele! 


O mundo de Sara pareceu girar por um momento. Ela ficou parada, encarando-o como se não acreditasse no que tinha acabado de ouvir. 


— Você o quê? — sussurrou, incrédula. 


Pedro respirou fundo, tentando se justificar. 



— Eu fiz isso porque te amo, Sara. Eu precisava te proteger! Seu pai nunca teria permitido que você seguisse com esse cara se ele soubesse quem ele realmente é. 



— Não… — murmurou ela, recuando um passo. — Você destruiu Tudo.  Isso… Toda essa confusão… É sua culpa! 



Pedro tentou se aproximar, mas Sara levantou uma mão, pedindo que ele parasse. 



— Fica longe de mim, Pedro. Eu não quero te ver nunca mais. 



Sem esperar por mais uma palavra dele, Sara virou as costas e saiu, as sacolas em mãos tremendo levemente por conta da raiva que consumia seu corpo. 



Pedro ficou parado, observando-a se afastar, enquanto o peso de sua confissão pairava no ar como uma bomba prestes a explodir.

Impuros - Nossa Liberdade.Onde histórias criam vida. Descubra agora