No Limite Do Fogo.

4 1 0
                                    

O som da comunidade estava mais baixos do que o habitual, como se o morro estivesse prendendo a respiração, aguardando o impacto de uma bomba invisível.

Sara estava no quarto, encarando a mochila que Wilbert havia preparado para ela. Dentro estavam apenas o essencial: algumas roupas, documentos e um pouco de dinheiro. Tudo parecia tão surreal. Ela passara as últimas horas lutando contra a ideia de deixar Wilbert para trás, mas as palavras dele ecoavam em sua mente como um mantra.

"Você tem que ficar segura para as coisas darem certo."

Um nó apertado se formava em sua garganta cada vez que ela pensava no que estava prestes a fazer.

— Amor? — a voz de Wilbert veio da porta, baixa, mas cheia de significado.

Ela se virou lentamente, encontrando-o parado ali. Ele parecia mais cansado, os ombros pesados com o peso de tudo o que carregava.

— Tá pronta? — ele perguntou, embora soubesse que nenhuma preparação era suficiente para algo assim.

Sara assentiu, mas não conseguiu encontrar palavras. Seus olhos brilhavam com lágrimas não derramadas enquanto ela se aproximava dele.

Ele a ajudou a vestir o casaco, os movimentos lentos e cuidadosos, como se prolongar aquele momento fosse adiá-lo indefinidamente.

— Vai ficar tudo bem — Wilbert disse, quebrando o silêncio, a voz grave, mas firme. Ele segurou os ombros dela, obrigando-a a olhar para ele. — Assim que o Evandro tiver fora do morro, eu vou fugir também. E eu vou te encontrar, amor. Eu juro.

Ela balançou a cabeça, mas as lágrimas finalmente começaram a escorrer por seu rosto.

— E se não der tempo, Wilbert? E se eles pegarem você?

Ele respirou fundo, um pequeno sorriso triste se formando em seus lábios.

— Não pensa nisso agora. O que importa é você sair daqui. Você tem que ficar segura, entende? Se você não estiver segura, nada disso vai fazer sentido.

— Você não pode me pedir isso... — ela sussurrou, a voz embargada. — Não pode pedir pra eu te deixar aqui.

Ele passou a mão pelo rosto dela, afastando uma lágrima que descia lentamente.

— Eu tô pedindo porque eu te amo, porra. É por isso que eu tô te pedindo.

As palavras dele a atingiram como um soco. Era uma luz no meio do caos, elas pareciam tanto um consolo quanto uma sentença.

— Eu também te amo — Sara murmurou, a voz quase sumindo.

Wilbert a puxou para um abraço apertado, enterrando o rosto nos cabelos dela. Ficaram assim por alguns instantes, antes de Sara sair do Dendê.













-----










Sara estava sentada na beira da cama, os cotovelos apoiados nas pernas, o olhar perdido no vazio. A pequena casa onde Wilbert a havia escondido era silenciosa demais, como se o mundo ao redor estivesse parado. Mas ela sabia que, lá fora, no Dendê, o caos reinava.

A televisão permanecia desligada. Ela não tinha coragem de ligá-la, de ver as imagens do morro sendo invadido pela Polícia Federal, de ouvir os repórteres falando sobre prisões e confrontos. Cada segundo parecia uma eternidade, e a ausência de notícias era uma tortura ainda maior.

Levantou-se pela quinta vez em meia hora, andando de um lado para o outro na sala apertada. As paredes, pintadas de branco, pareciam fechá-la em uma prisão invisível. Ela tentou respirar fundo, mas o ar parecia pesado, quase impossível de puxar.

“Ele está bem. Ele tem que estar bem.” Era o mantra que repetia para si mesma, mas as palavras soavam vazias.

Caminhou até a janela e puxou a cortina apenas o suficiente para olhar para fora. Nada além de uma rua tranquila. Pessoas comuns levando suas vidas comuns, alheias ao pesadelo que ela vivia.

Sentiu o peito apertar, as mãos tremendo enquanto segurava a cortina.

— Droga, Wilbert... — murmurou, a voz quebrada.

Ela fechou os olhos, tentando afastar os pensamentos ruins, mas as imagens vinham de qualquer forma: Wilbert cercado por policiais, Wilbert algemado, Wilbert ferido... ou pior.

Aflita, foi até a pia da cozinha e encheu um copo com água, mas nem conseguiu levá-lo à boca. Colocou-o na bancada com força, o barulho ecoando pela casa.


“Por que ele não liga? Por que?"

Sara agarrou o telefone na mesa, olhando para a tela pela enésima vez. Nenhuma notificação. Nenhuma ligação perdida. Nada.


Sentou-se novamente, sentindo as lágrimas brotarem. Apertou o celular contra o peito, como se aquilo pudesse de alguma forma trazer Wilbert de volta para ela.

— Por favor... fique bem. Por favor... — sussurrou, a voz embargada.

O silêncio da casa parecia zombar dela. Lá fora, no Dendê, Wilbert estava lutando para sobreviver, e ela não podia fazer absolutamente nada. Sara ainda estava sentada no mesmo lugar, os olhos fixos na porta, como se esperasse que Wilbert entrasse por ela a qualquer momento.

Mas ele não entrou. E o silêncio continuou.

Impuros - Nossa Liberdade.Onde histórias criam vida. Descubra agora