Proteção Silenciosa.

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Aquela tarde era quente, mas para Wilbert parecia sufocante. Ele estava encostado na parede, observando o movimento frenético do Dendê à sua frente. A correria das crianças, o falatório e as risadas dos adultos se misturavam ao som do funk que ecoava, mas, para ele, tudo parecia distante, como se um manto de silêncio o envolvesse. Dentro de sua mente, só havia espaço para uma pessoa: Sara.


Ele fechou os olhos por um momento, o calor do ambiente tornando-se quase insuportável. Ela estava cada vez mais envolvida, cada vez mais perto dos perigos que ele tanto tentava afastar. Ele sabia, em algum lugar do fundo de sua alma, que ela não veria o que estava acontecendo até ser tarde demais. Era como assistir a alguém caminhar para o abismo sem poder gritar, sem poder impedir.

"Só mais um passo... E tudo pode desmoronar", pensou, o aperto no peito se intensificando.

Sara sempre foi teimosa, decidida. Isso era o que ele amava nela, mas também o que mais temia. Ela se enfiava nos problemas do Dendê com a intensidade de quem não sabe o que está em jogo. Wilbert nunca quis que ela soubesse o peso daquilo. Ela era jovem demais para carregar esse fardo. Mas ela estava ali, cada vez mais envolvida, cada vez mais difícil de afastar.

Ele suspirou, exalando toda a tensão acumulada. Olhou mais uma vez para o Dendê. Aquele lugar que ele tanto amava, mas que estava consumindo tudo o que ele queria proteger. Ali, as regras eram feitas de sangue e medo, e ninguém estava imune.

— Não posso deixar que isso aconteça com ela. — Murmurou para si mesmo, como se repetir as palavras fosse suficiente para acalmar a tempestade dentro dele.

Wilbert puxou o celular do bolso, sentindo a textura fria do aparelho contra sua pele quente. Ele hesitou por um momento, o dedo pairando sobre o botão de chamada. Não queria fazer isso. Não queria envolver mais ninguém nisso. Mas, se não fizesse, estaria colocando Sara em risco de uma forma que ele não poderia suportar.

Finalmente, ele pressionou o botão e aguardou. A linha foi atendida quase imediatamente.

— Fala, Wilbert. — A voz do outro lado estava rouca, cansada, mas ainda firme.

— Preciso cobrar um favor, Tavinho. — Wilbert não perdeu tempo.

Do outro lado, um suspiro pesado foi ouvido.

— O que você precisa? — Tavinho respondeu, mais atento agora.

Wilbert explicou a situação. O plano era simples, mas crucial: uma casa no asfalto, longe o suficiente para manter Sara afastada do caos do Dendê, mas próxima o suficiente para que ele pudesse vigiá-la de longe. Ele precisava de um lugar seguro, onde ela pudesse ficar, se algo acontecesse.

— Não é pra contar pra ninguém, Tavinho. Bico fechado. — Wilbert foi claro, seu tom grave.

— Entendido. Me dá uns dias. Vou cuidar disso. — Tavinho respondeu, e Wilbert sentiu uma leve esperança crescer dentro de si. Mesmo no meio da guerra, ele ainda tinha alguns aliados.


Wilbert desligou a ligação e ficou ali, com o celular na mão, o silêncio o envolvendo novamente. Ele olhou para o Dendê, e o peso da responsabilidade sobre seus ombros parecia dobrar. Parte dele odiava envolver Sara nesse mundo sujo, que não tinha lugar para pessoas como ela. Ele queria poder tirá-la dali, mas sabia que isso não era mais uma opção. Ela estava no centro de tudo, e se ele não tomasse uma atitude agora, ela poderia ser engolida sem nem perceber.


"Eu não vou deixar isso acontecer", pensou com firmeza. "Se algo acontecer, ela terá um lugar seguro. Pelo menos, por um tempo."


Ainda assim, havia algo em seu peito que o incomodava. Ele sabia que, por mais que tentasse se preparar, ninguém poderia prever o que viria. O Dendê estava prestes a explodir, e ele não poderia protegê-la para sempre. Mas, até o último momento, ele faria o que fosse possível.


Ele olhou ao redor, as pessoas ainda continuando suas atividades no Dendê. Mas para ele, o mundo parecia estar paralisado. Sua mente estava em outro lugar, num futuro incerto, onde as escolhas que ele tomasse agora poderiam ser as que determinariam se Sara ainda estaria segura ou não.


"Só espero que eu não tenha deixado isso tarde demais", pensou, seu coração batendo com uma ansiedade que ele não conseguia controlar.

Wilbert respirou fundo, tentando se acalmar. Ele sabia que o tempo estava correndo e que, se ele não agisse rápido, poderia perder a única chance de manter a mulher que amava longe do caos.










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A cabeça de Wilbert estava a mil, e naquela noite, não foi diferente. enquanto Sara dormia profundamente deitada em seu peito, Wilbert ficou acordado, observando-a. Ele acariciou suavemente uma mecha do cabelo dela, a expressão endurecida. 

Se, alguns meses atrás, alguém tivesse dito a Wilbert que ele estaria ali, naquela cama, com a mulher que amava adormecida em seus braços, ele provavelmente teria rido. Era difícil acreditar que a vida o havia levado até aquele ponto. Mas agora, olhando para ela, Wilbert sentia uma sensação de posse, mas também de vulnerabilidade. Ele tinha tudo o que sempre quis, mas ao mesmo tempo, sabia que o mundo era imprevisível e perigoso.


Desde que os dois começaram a morar juntos, a vida de Wilbert se transformou de maneiras que ele jamais imaginou. Ele sabia que não queria mais nada além de estar com ela, ao lado dela. Talvez até uma família... A ideia, antes distante, agora parecia algo real.

Impuros - Nossa Liberdade.Onde histórias criam vida. Descubra agora