Medo.

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Sara fechou a porta da casa assim que Wilbert saiu. As instruções dele ecoavam em sua mente como um mantra: “Tranca a porta. Não abre para ninguém.”

Ela girou a chave duas vezes e encostou a testa na porta fria. Ficou assim por alguns segundos, ouvindo o silêncio ao seu redor. Só então percebeu como estava tremendo. 

Andou devagar até o sofá e deixou o corpo cair pesadamente sobre a almofada, abraçando os próprios joelhos. Seus olhos se fixaram na parede vazia que Wilbert tinha deixado o fuzil encostado ali, horas antes. Agora, ele estava longe, enfrentando sabe-se lá o quê. 

O medo surgiu como um aperto no peito, uma sensação sufocante que ela não conseguia ignorar. 


E se ele não voltar?

A pergunta atravessou sua mente como um raio. Ela tentou afastá-la, mas era impossível. O rosto de Wilbert, tão calmo e determinado, aparecia em sua mente, misturado com imagens de sirenes, tiros e sangue. 

“Eu sabia que seria difícil,” pensou, apertando os braços em volta do corpo. “Mas eu não sabia que ficaria com tanto medo de perde-lo, sempre que ele saísse de casa assim. ” 

Sara fechou os olhos, tentando encontrar algum conforto na memória da voz dele, no toque gentil que ele reservava apenas para ela. Mas o medo não cedia. Ele era uma presença nova e insistente, que ela sabia que só aumentaria com o tempo. 

“Toda vez que ele sair assim, vou sentir isso?” 

Mesmo sabendo quem ele era, nunca havia parado para pensar nas no " e sse " . Nas vezes que ele sairia com um fuzil no pescoço, enfrentando a polícia ou outros criminosos. 


Sara passou a mão pelo rosto, frustrada. Uma parte dela queria fugir, pegar o dinheiro da mãe e desaparecer, mas a ideia de deixá-lo era ainda mais aterrorizante. De duas coisa Sara tinha certeza que não iria deixá-lo e de que tinha medo, medo que alguém tirasse Wilbert dela.

Ela se inclinou para trás no sofá, os olhos fitando o teto, tentando encontrar alguma solução no meio daquele turbilhão. Talvez Wilbert voltasse em algumas horas, com aquele sorriso convencido, dizendo que tudo estava resolvido. 

Mas até lá, tudo o que ela tinha era o silêncio e o medo crescente de um mundo que parecia pronto para engoli-la. 







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Algumas horas depois de todo aquele medo a atingir, sara finalmente escuta a porta de casa se sendo destrancada. Um suspiro pesado de alívio é deixado por ela assim que ela vê Wilbert abrindo a porta.

Sem nem pensar duas vezes, ela se levantou do sofá e correu para os braços de Wilbert, que a recebeu em em abraço coloroso e acolhedor.

— Tá tudo bem, amor. — Disse Wilbert fazendo carinho nos cabelos cacheados de sara.

— Porra Wilbert, eu fiquei com tanto medo. — confesso sara, segurando as lágrimas. — Eu não posso te perder.

— Tá tudo bem, você não vai me perder. — disse Wilbert com certeza, uma certeza que no fundo ele sabia que não podia garantir. — Tá tudo bem.











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No dia seguinte, o clima no Dendê estava mais pesado do que nunca. A invasão policial à igreja na noite anterior resultara na descoberta de um esconderijo de drogas e armas nos fundos do local. Era o caos. As notícias da operação se espalharam rapidamente, mas o verdadeiro golpe para Evandro foi algo muito pior: sua mãe desaparecera.

Sara caminhava em direção à contenção, acompanhada por dois seguranças enviados por Wilbert. O olhar dos homens ao redor era uma mistura de curiosidade e suspeita enquanto ela passava. Dentro, o ambiente era tenso. Evandro, visivelmente abalado, estava cercado por Wilbert, Burgos, e dois homens que Sara ainda não conhecia, Gilmar e Hermes. 

Evandro deu dois passos à frente, seu rosto carregado de desespero. 

— Sara, olha só, eu preciso saber se você sabe de alguma coisa. — Ele falava rápido, quase sem respirar. — Qualquer coisa! Eu preciso encontrar a minha mãe. 

Sara hesitou por um momento, sentindo o peso da angústia de Evandro. 

— Evandro, eu realmente gostaria de ajudar, mas eu não sei. — Sua voz era firme, mas carregava uma pontada de tristeza. — Eu não falo com o meu pai desde que fugi de casa. 

— A gente não sabe de nada, Evandro. — Wilbert entrou na conversa, posicionando-se ao lado de Sara, como se quisesse protegê-la da pressão do momento. 

Burgos limpou a garganta e lançou um olhar sério para Evandro. 

— Já falei, Evandro. Isso é mais complicado do que parece. — Ele ajustou a gravata enquanto falava. — A polícia não parece estar envolvida no desaparecimento da sua mãe. Ela foi liberada ontem à noite. 

Evandro franziu o cenho, a raiva começando a transbordar. 

— E como é que ela simplesmente desaparece, Burgos? Hein? Me diz! — Ele socou a mesa com força. — Se ela foi liberada, ela devia estar em casa! 

Hermes, o homem baixo, entrou na conversa. 

— Chef, recolhi as informações que você pediu. — Ele hesitou por um segundo. — Mas... ainda não temos nada concreto. 

Evandro passou as mãos pela cabeça, frustrado. 

— Se ninguém sabe onde tá minha mãe, o filho da puta do Morelo vai saber. — Sua voz estava carregada de raiva. Ele respirou fundo, tentando manter o foco. — E ainda tem essa porra do ouro branco pra resolver. 

Burgos, mantendo a calma usual, acrescentou: 

— Não querendo ser inoportuno, mas com a apreensão das drogas, o governador subiu 30% nas pesquisas. — Ele fez uma pausa estratégica. — Pelo que parece, a operação de ontem teve o aval direto dele. E agora, com o Morelo ganhando apoio político, as coisas podem ficar mais complicadas. 

Sara sentiu um aperto no peito ao ouvir o nome do pai. Ela sabia que ele estava por trás de tudo isso, como sempre. A culpa e a frustração a invadiram, mas ela manteve o rosto neutro. 

A raiva e a tensão enchiam a sala. Evandro encarava Burgos, mas era evidente que seu verdadeiro alvo estava longe dali. O Dendê era uma panela de pressão prestes a explodir, e Sara, mesmo tentando manter-se alheia a tudo, sentia que estava se envolvendo cada vez mais em um mundo que só trazia dor e caos.

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