O Gringo No Dendê.

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Os dias haviam se arrastado desde os últimos acontecimentos, e enquanto a cidade seguia seu curso apressado, uma tensão invisível pairava no ar. As eleições estavam se aproximando, e, apesar dos esforços incansáveis de Sara e Wilbert para reverter a situação, o pai de Sara mantinha-se à frente nas pesquisas. Seus números pareciam inabaláveis, como uma força imparável que não podia ser detida. O cenário político estava eletricamente carregado, e Sara sentia que cada movimento, cada palavra proferida, poderia ter um peso significativo nos dias que se seguiam.


Era um desses raros momentos de calmaria em que a cidade parecia respirar com mais tranquilidade. A luz suave da tarde se infiltrava pelas árvores da rua e dançava nas sombras do asfalto enquanto Sara e Geise, sentadas na rua sala, conversavam despreocupadas. Airton, em uma das suas típicas travessuras, brincava próximo a elas, imerso em seu mundo, alheio à agitação lá fora. O vínculo entre as três, antes apenas de trabalho e circunstância, agora se transformava em algo mais forte. A amizade deles estava mais sólida, mais sincera, como um porto seguro que, apesar de tudo, havia resistido.

A risada leve de Geise preenchia o ar, quebrando o silêncio confortável. As palavras de Geise, que mais pareciam piadas do cotidiano, faziam o clima relaxado se manter. E por um instante, Sara se permitiu relaxar também, esquecendo-se dos pesados fardos que carregava. Ela percebeu que aquela amizade, mais do que uma fuga, se tornara indispensável para sua sanidade.

Mas a tranquilidade foi interrompida com a chegada de Juninho, que caminhava ao lado de Wilbert, com um homem estranho a tiracolo. Ele não pertencia ao Dendê. Charles, com sua postura diferente e roupas caras, chamava a atenção onde passava, como se sua presença estivesse em desacordo com o ambiente. Ele carregava uma bolsa preta grande, e, embora tentasse parecer calmo, um olhar mais atento mostrava que algo o inquietava. Talvez fosse a segurança armada ao redor dele.

Sara observou o trio enquanto passavam pela rua e, embora fosse uma cena comum de movimentação, algo no homem chamou sua atenção. Ela não sabia o que exatamente, mas sentiu que ele não estava ali por acaso.

— Bonsoir. — Charles cumprimentou, aproximando-se de Sara e Geise, sua voz grave e cortante soando naturalmente no francês.

A curiosidade instantânea de Sara a fez responder sem pensar muito:

— Bonjour. Vous êtes... français? (Você é francês?)

Charles ergueu uma sobrancelha, visivelmente surpreso pela fluência de Sara, algo que parecia inesperado para ele naquele lugar.

— Vous parlez français? (Você fala francês?)

Sara sorriu com um ar de humildade.

— Aprendi um tempinho atrás. — Ela respondeu, tentando disfarçar a leve tensão que começava a sentir.

Charles ficou em silêncio por um momento, observando-a com mais atenção, como se tentasse decifrar o que aquela resposta significava.

— Eu não esperava encontrar alguém que falasse francês por aqui. — Ele comentou, ainda um pouco surpreso.

Sara deu de ombros, sua expressão desconfiada.

— O Dendê surpreende a gente, — ela disse, mantendo os olhos fixos nele.

— Esse é o gringo, amor, — disse Wilbert, interrompendo a conversa e apresentando Charles de maneira descontraída. — Ele vai fazer um trabalho de fotos, essas coisas.


Geise, ainda sem entender a intenção de Charles, lançou um olhar curioso.

— Fotos no Dendê? — Ela questionou. — E por que você quer fotografar aqui? Ninguém liga pra gente aqui.

Charles sorriu, visivelmente tentando ser simpático, mas sem esconder seu sotaque.

— Não é bem isso. Eu quero fazer um projeto sobre a vida, a essência do Brasil... — ele explicou, com a voz carregada de sotaque, tentando se mostrar mais acessível.

Geise, desconfiada, olhou-o com desconfiança.


— Relaxa, dona Geise. — Juninho se intrometeu, tentando acalmar a loira. — O Evandro já está sabendo, tá tudo certo.


Wilbert, então, deu um passo à frente, com um olhar carinhoso para Sara.

— Vamos, gringo. Tenho que te mostrar a casa que você vai ficar. — Ele olhou para Charles, que já começava a dar os primeiros passos em direção a ele. — Eu vou resolver isso e já volto. Depois a gente vai lá na pensão dona Joana almoçar, tá bom, amor?

Sara assentiu com um sorriso suave, sentindo o peso da situação. Wilbert a beijou levemente nos lábios e se afastou com Juninho e Charles, deixando Sara e Geise sozinhas na rua.

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