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(Eva)

Aperto meu passo. Tenho medo do que possa acontecer, todo aquele acontecimento mais cedo foi muita coincidência. É como se a imagem daquele russo não saísse da minha cabeça.

Sinto frio, pois o sobretudo do homem não me esquenta o suficiente.

Maldito lugar. É impossível andar três metros sem avistar alguém cheirando. Não moro no melhor bairro do mundo, mas posso dizer que sou idependente.

- Sai da minha porta, porra. - Praguejo para um menino que usa minha escada de emergência para espalhar o pó.

- Que isso, tia. Não segura isso não, só tô cheirando, não tô roubando... Abaixa essa arma, senhora. - Em desespero, o menino colheta todo o pó para um saquinho. Não demora muito para desaparecer em uma corrida.

- É para correr mesmo! - Grito, levantando minha mão vazia. Não, eu não estava armada. A última vez em que estive foi quando fui caçar coelhos com meu pai.

É incrível como uma simples droga pode te fazer esquecer o que é e para o que serve. Entendo como ninguém.

Não é normal sempre entrar pela escada de emergência, mas sinto que o Sr. Phill - o proprietário da casa, está prestes a expulsar-me. Não é fácil, pois meu trabalho é muito incerto.

Quando entro pela janela sou surpreendida por um abraço no "vazio" pois nada enxergo.

- Pensei que você tinha morrido. - É Taylor, minha única e melhor amiga. Ela acende a luz, confirmando minha suspeita.

- Meu dia hoje foi muito estranho. - Com exaustão, retiro o sobretudo, revelando minha roupa rasgada e minúscula.

- É, posso reparar. O que foi dessa vez? Te bateram? Esses malucos... - Ela acende um cigarro, deduzindo mil coisas enquanto caminha e senta na beirada da janela.

- Fui trabalhar naquela boate novamente. - Encostome-me na cabeceira da cama e cubro-me até a altura do pescoço.

- Tá de sacanagem comigo? Aquele lugar é um lixo, garota. - Taylor balança a cabeça negativamente enquanto libera sua fumaça.

- Não tá sentindo frio? Só está com essa blusinha... - Sou interrompida.

- Não muda de assunto, Eva. - Ela me encara. - É por causa do aluguel? Olha, eu vou pagar, e.. -

- O que? Você não pagou o aluguel? - Levanto-me aflita. - Mas que merda você tá pensando? Eu te dei o dinheiro. O que fez com ele?

- Bom, eu... Eu... - Taylor balbucia algumas palavras, mas logo tomba o rosto para baixo.

- Não... - Respiro fundo e corro até o armário, procurando o meu dinheiro que estava guardado.

- Eva... - A menina joga o cigarro para trás e toca-me o ombro.

- Não me toca. - Viro-me e escoro as costas na porta do armário. - Você me roubou.

- Eu posso explicar... Eu... - A interrompo.

- Como você pôde, eu não sei o que dizer eu... - Estou pálida e fria. Não reajo.

- Eu não queria te roubar, eu sou sua amiga, eu... - No tom de voz de Taylor há desespero.

- Droga, Taylor. - Sinto uma leve ardição nos olhos. Eu conheço essa sensação, é princípio de choro descontrolado, mas eu sou forte.

- Sinto muito... - Ela não é tão forte como eu, logo cai aos prantos bem à minha frente.

- A pior parte disso é que você sabe que é a única coisa que me resta. - Pressiono meus lábios, tentando conter a irritação dos meus olhos.

- Eu estou com um problema, Eva. - Os olhos de Taylor lembram-me grandes esferas negras. A maquiagem dá um toque pesado no seu rosto, assim como seu fardo, sua história...

- Não precisa dizer... Eu sei o que é. - A pego pela mão esquerda e a sento comigo na cama. - Aquele moleque que vi na porta não estava aqui à toa, não é?

- Desculpe, eu trepo com quantas pessoas for necessário para te pagar! Mas me perdoa! - Ela apoia seu rosto derrotado em meu ombro.

- Não faça mais isso. - A conforto com um dos meus braços. - Esse é um problema fodido. Sim, estamos na merda, mas eu vou te ajudar. Fracassei com meus pais, meu filho, eu...

- Você não teve culpa. - Ela me olha. - Passou por muita coisa, não devia continuar sofrendo.

- Vamos superar isso. - Finalmente permito-me sentir a angústia, porém aliviada pela sinceridade de minha amiga. A observo. Sei o que sente.

- A droga está no meu colchão. - Diz ela, com um claro arrependimento em sua voz.

- Nós vamos recuperar esse dinheiro e pagar o aluguel. - Olho ao redor. Nossa casa é um muquifo e não podemos pagar por ela. Trágico.

- O que vamos fazer? - Ela indaga, tentando limpar a maquiagem de seu rosto.

Tudo acontece por um motivo. Coisas levam à outras coisas e num curto momento de tempo que simplesmente paramos para notá-las podemos nos sentir maravilhados.

Nunca imaginei que teria que passar por tudo que passei para chegar nesse exato momento, onde eu descubro que mesmo na merda, na orgia e na desgraça, eu tenho uma amiga.

Avisto a ponta do cartão no bolso do sobretudo.

- Eu tenho um plano.



Ego FlamejanteOnde histórias criam vida. Descubra agora