Era de manhã. Consultei o relógio verde que ficava na borda da cabeceira. O único objeto que trazia cor sóbria para aquele ambiente tão hostil e escuro. Acordei em uma cama que, definitivamente, não era a minha.
Poucos pertences meus estavam jogados na cômoda ao lado, e eu dormi com a mesma roupa que me lembrava de ter colocado ontem. Uma saia e camisa social.
Procurei pelas gavetas por uma aspirina, pois minha cabeça doía tanto que pesava terrivelmente. A dor passada desde o pescoço, e subia para a testa, onde flamejava em febre.
Talvez eu encontrasse no banheiro, mas o ambiente era tão inóspito que não recordava como fui parar ali. Talvez fosse a casa de algum amigo. De qualquer forma, não me era estranho o local, e eu não levaria tanto tempo para descobrir a quem pertencia.
- Bom dia, marrenta! – um timbre de voz masculino disse para mim, assim que sai do quarto e fui em direção à vasta cozinha.
- Pierre? – perguntei, analisando seu semblante. Duas olheiras apareciam abaixo de seus olhos, o cabelo desgrenhado não combinava com a roupa arrumada.
- Não vou trabalhar hoje! – ele exclamou, lançando um sorriso de canto. – Vou ficar aqui com você. Você esteve estranha ontem a noite.
Arregalei meus olhos em sua direção, enfática.
- O que houve? – ele perguntou, notando a expressão pesada que eu carregava no rosto.
- O que nós fizemos ontem à noite?! – perguntei, temerosa.
- Nada. Você estava falando algumas coisas desconexas antes de cair dura na cama. – ele revirou os olhos para cima, lembrando-se da noite anterior. – Falou algo sobre cães do inferno. Por causa daquele artigo do site de mitologia que estava nas coisas da Lara.
Franzi o cenho para ele, analisando suas sentenças com atenção.
- Cães do Inferno? – soltei uma breve gargalhada, e notando a cara que ele fez para a minha reação exagerada, continuei. – Então é isso que eu vim fazer aqui? Procurar uns cães infernais para matar. Como o Dean e o Sam faziam.
Ele semicerrou os olhos para mim, e então, prosseguiu.
- Você está se sentindo bem? Ontem você não estava no seu mais perfeito estado, mas ainda assim, não tinha ficado tão biruta quanto agora.
- Só estou com uma leve dor de cabeça. – levou a ponta dos dedos à testa, massageando o local. – Devo ter dormido mal. Seu colchão é duro como uma pedra. – olhei ao redor, buscando com os olhos a única pessoa que faltava. – Cadê a Lara? Você é namorado dela. Não tem porque eu estar aqui se ela também não estiver.
Ele arregalou mais ainda os olhos para mim, assustado.
- Sabia que não estava bem! – levantou em um pulo da cadeira, e foi buscar uma bolsa de remédios. – Tome! Vai se sentir melhor.
- É, eu sei que não estou bem. Mas que relação tem isso com a Lara? – perguntei, mas logo fui eu a arregalar os olhos. – Nós não... dormimos juntos, né?
- Não seja ridícula!
- Ainda bem. – suspirei, aliviada. – Eu jamais te deixaria encostar esses 15 centímetros de baguete que você deve ter no meio das pernas, nas minhas partes preciosas.
Ele deu uma leve gargalhada, mas logo seu semblante mudou drasticamente, pois realmente estava preocupado.
- Belina... Pare com isso. Você não lembra o que aconteceu ontem?
Imagens desconexas surgiram em minha mente como um relâmpago sobre o dia anterior. Foi tão tumultuado, que diversas imagens formavam-se em minha mente, até uma delas se fixar.
- Cadê a Lara? – instiguei, agora mais solícita do que antes.
Ela se debruçou sob o parapeito da janela de meu apartamento. Angústia existia em seu olhar. O homem misterioso. A dor. A caixa de madeira. O cão que latia.
- Pelo amor de Deus, Pierre. – meu nervosismo já não estava mais contido. Minha voz esmaecida pelo gosto salgado das lágrimas que me desciam da região dos olhos e formavam uma trajetória curvilínea em direção à boca.
- Você tinha se esquecido? – ele crispou os lábios, estranhando.
- Estou tendo espasmos de ontem. – minhas mãos tremiam. Minhas pernas tornaram-se bambas a ponto de não suportarem o peso de meu corpo. Repentinamente, minha cabeça pesou tanto que meu pescoço não aguentou.
- Você tem que sentar! Vai acabar desmaiando. – Pierre sugeriu, segurando em meu braço e conduzindo-me à cadeira do balcão.
- A Lara morreu. – anunciei, com a garganta inflamada. Fixei meu olhar ao longe, permitindo que aquelas lágrimas escorressem. – Caramba! – apoiei meus cotovelos aos joelhos, e reclinando a coluna, meu rosto ficou em minhas mãos. As lágrimas escorriam tão intensamente que banhavam completamente a minha roupa.
Não me importava que Pierre me visse naquele estado. Estava pouco me importando com qualquer coisa no momento. Só me afligia o fato de que eu havia perdido uma das pessoas mais importantes para mim.
Não pode ser verdade. Não. Não pode ser.
Repetia para mim mesma, com a voz embargada pelas lágrimas emocionadas, enquanto Pierre ficava bem na minha frente, tentando me consolar.
- Tudo bem, Bel. Você já se reprimiu demais. Coloque para fora tudo isso que sente aí dentro. – Ele me enlaçou pelos ombros, tentando me acalmar.
- Eu tô lembrando de tudo agora, Pierre. – falei, o encarando. – Eu lembrei de tudo. Nossa! Não dá para acreditar em tudo que aconteceu. Desculpe, mas é surreal demais para mim.
- Tudo bem. Você tem o direito de pirar as vezes. Eu mesmo já acordei assustado com tudo. Pensei que nada tivesse passado de um pesadelo. Mas acontece que a vida nem sempre é aquilo que planejamos, não é? Temos que aceitar as consequências do que aconteceu. Infelizmente.
Meus olhos não paravam de derramar lágrimas. Queria me conter, mas se tornava a cada segundo mais impossível. Foi como se todo o luto que vim reprimindo, agora explodisse dentro de mim de uma só vez. Estava difícil de acreditar que tudo aquilo era verdade. Não queria. Mas naquele momento nunca estive tão vívida, e sentia a realidade dominar cada canto de meu corpo.
- Sei que não é fácil, mas tudo vai ficar bem, ok? – ele enxugou minhas lágrimas, e continuou. – Quando você estiver melhor, conversaremos sobre aquela teoria maluca que você formulou. Sei que tudo está sendo bem difícil, mas não sejamos precipitados em nossas conclusões, tudo bem?
- Do que você está falando? – disse eu, já encarando seu rosto com aquele cabelo estrategicamente desgrenhado.
- Sobre o que você disse ontem. – respondeu, como se estivesse óbvio. – Que a Lara fez um pacto e os cães do inferno vieram... bem, você sabe.
- De novo esse assunto. – dei de ombros, não muito interessada em falar sobre mitologia – Pensei que você estivesse assistindo demais Supernatural e tivesse ficado com isso na cabeça.
- Belina, foi você mesma quem levantou essa hipótese ontem a noite. Não lembra disso? – seu olhar inquisidor me perfurava por dentro.
- Eu nem sei do que é que você tá falando. – respondi. Realmente, não me lembrava de nada daquilo.
- Mas você disse. Você pegou em suas mãos o artigo sobre os cães infernais, e leu uma frase que falava que somente quem fez pacto pode ver os cães. E disse que isso era o que a Lara havia feito. Ela tinha feito um pacto, provavelmente para conseguir namorar comigo. O que é uma total tolice, mas explicaria como eu fiquei após ver o suicídio dela. Não lembra?
Balancei a cabeça em negativa, mas realmente minha memória sobre o dia anterior estava fraca. Não lembrava de nada. Não sabia sobre o que Pierre falava.
O último momento que me recordava, havia sido do exato instante em que Lara se jogou. E após isso, minha mente não puxava mais nenhuma memória. Como se eu tivesse vivido aquele dia todo ligada ao meu subconsciente.
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Não foi suicídio!
Детектив / ТриллерBelina vê sua vida virar do avesso ao presenciar um suicídio. Frio, rápido e sem explicação. Uma jovem se joga do topo de um prédio, tendo seu corpo perfurado pelos cacos de vidro da calçada. Ninguém entende como uma jovem no auge de sua vida era c...