46. A proliferação dos ceifeiros

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Ao total, eram apenas 13. Aquele sempre havia sido o número da sorte ou do azar, sem exceções e meios termos. Muitas lendas assombravam o número. Jesus havia feito sua última refeição com seus doze apóstolos. Juntos, eram treze.

Treze era o número dos fluxos de energia. Treze é o número de Deus. E treze também era o número daqueles que prometiam fazer um purgatório de almas perdidas na terra.

E eles começavam pequeno, para se proliferarem grandiosamente com o decorrer do tempo. Começaram com um suicídio despretensioso. Apenas como teste. O suicídio do grande jornalista da cidade que ficaria conhecida como Santo Ceifeiro.

Sua morte fora necessária, para que ele conseguisse documentar todos os casos de suicídio que aconteciam. O jornal era essencial para a execução de seu plano. Era primordial para que eles se tornassem palpáveis. Verossímeis. Que fossem reais.

Por isso, ele sempre escrevia antes de acontecer. Apesar do incidente em que Lara e Belina encontraram o jornal no ato em que ele acabara de ser escrito. E aquilo desencadeou todos os acontecimentos que se sucederiam.

Havia sido o único erro por ele cometido durante aquele tempo. Durante o tempo em que a primeira vítima havia sido ceifada, sem que fosse necessária a foice de seu falcífero: ele mesmo deu um fim à própria vida, tornando-se escravo do novo mestre.

E assim, iniciou-se aquilo que levaria um bom tempo para ter um fim. Era apenas a agulha no palheiro.

Angelus Mortis precisava desenvolver seu grande poder psíquico na mente das pessoas. Ele chegava sorrateiro, querendo a amizade de suas vítimas, para depois, lapidá-las aos poucos, até descobrir onde atacaria.

E naquele momento, após ter firmado seus 13 servos que o ajudariam em cada cidade da região, eles formavam um exército maior ainda, que seria governado por cada um deles, fazendo a legião de escravos apenas ter início.

E não demoraria muito para que todos na região inteira se transformassem em quem Angelus queria que eles fossem. Logo, não existiria vida em Solitude, ou em nenhuma das 13 cidades que faziam parte da região.

Não haveria vida, e os mortos por eles governados procurariam outros corpos para habitarem, e novas vidas a serem ceifadas.

Era como um maligno vírus que se proliferava em progressão geométrica. E eles se espalhavam a cada segundo. A adaga ainda estava com Angelus. Agora, banhada em sangue, mas aquele sangue era benigno para o passo seguinte que pretendia dar.

Sacrifícios precisavam ser feitos para que o bem maior fosse atingido. Aliás, uma hora ou outra, todos teriam o mesmo destino. Por que tardar a morte de uma pessoa que estivera a ponto de tardar seus planos?

Belina precisava voltar para Solitude. E com Guilherme em sua companhia, ele sabia que seria garantido que ela voltaria para lá o quanto antes.

Belina Colombari – Verde Folha.

- Todos que se aproximam de mim, tem um final trágico. – eu me segurava para não chorar, mas aquelas lágrimas teimavam e querer descer por meu rosto, e fazer um movimento curvilíneo ao redor das maçãs protuberantes de minhas bochechas.

Guilherme me enlaçava em seus braços, como se aquele gesto fizesse com que ele me protegesse de todos os males do mundo, mas eu tinha a consciência de que a dor de cabeça estava longe de ter um final adequado.

- Eu estou aqui com você! – ele sussurrava em meu ouvido, e o som ameno de sua voz me acalmou, por um instante. Eu apenas queria acordar, e ver que tudo aquilo não havia passado de um tremendo pesadelo. Continuar a minha vida normalmente.

Até mesmo, iria trabalhar mais feliz, se fosse o caso. Não me importaria tanto em ver o Fabrício – aquele ser irritante do meu serviço – desde que tudo estivesse em paz. Desde que eu descobri o que era ter um inferno em minha vida, eu percebi que suportaria qualquer coisa que em minha vida comum eu achasse terrível.

Pois aquele sim era o problema verdadeiro, e tudo o que vivi até hoje, não passou de meras agulhas em um palheiro.

Retribuí o abraço de Guilherme. Já havíamos deixado o local onde o corpo de Pierre estava. Liguei para a Ambulância, informando o endereço e localização exata do corpo. Ele precisava ser levado ao hospital, antes de ser enterrado, para limpar os ferimentos e passar pelo IML.

Eu ainda conseguia pensar razoavelmente de modo coerente. Ou talvez, eu apenas achasse que aquela atitude seria a mais sensata naquele instante. Não sabia o que pensar, e muito menos o que deveria ser sentido.

As pessoas que passaram pelo corpo de Pierre nem se comoveram com a tragédia. Eu não conseguia imaginar como aquilo era possível. Uma tragédia real acontecendo bem diante de seus olhos, e a maioria nem se deu ao trabalho de apresentar um pouco de comoção.

O mundo me surpreendia de forma arrebatadora, e eu estava cansada de pensar naquilo. Tudo bem, teríamos que deixar para trás Pierre.

Eu já carregava o fardo da Lara em minhas costas, e estava exausta de tudo na vida. Meu corpo pesava, assim como meu coração não conseguia se manter ameno. Guilherme ainda me consolava, mas o que haveria mais para fazermos?

De algum modo, a vida nos levara ao destino que, tempos atrás, seria a escolha ideal para mim: apenas eu e meu noivo, juntos para sempre. Mas por que eu me sentia tão estranha naquele instante?

Talvez, por saber que o meu destino estava prestes a ser selado de outra maneira. Eu precisava concretizar minha jornada final. Aquela poderia ser a melhor opção para que parássemos os suicídios coletivos.

E eu deveria fazer aquilo. De uma vez por todas, e sem pensar duas vezes em outra coisa. Eu me desnudaria de toda a culpa que ainda me corrompia a alma, e daria meu último suspiro de vida, antes que o desejo de Angelus se concretizasse, e eu desse a ele o neto que sempre quis.

Que sempre precisou para que seu plano estivesse completo.

Dentro do porta-luvas do carro, um recorte de jornal se encontrava. Era ele. A raiz de todo o mal que se iniciara. O primeiro jornal que encontramos. Aquele que anunciava tão grandiosamente o suicídio de Fabiana, a filha da chefe.

Aquele que possuía uma foto de minhas costas.

E os outros jornais também. Era como se todos eles fizessem um papel importante em um meio disperso. O que significavam, afinal? Eu não fazia a mínima ideia, e temia por descobrir.

O celular de Guilherme vibrou. Havia ficado comigo desde que liguei para a Ambulância, pois o meu estava sem bateria.

- Tem mensagem para você! – Anunciei, instantaneamente abrindo a mensagem para ver do que se tratava.

- Deixe isso aí! – ele protestou, desviando a atenção do volante por um momento, com a expressão congelada no rosto. Estava atônito e exasperado, mas já era tarde demais. A mensagem de texto já se revelava diante de meus olhos, e me surpreendi ao ver de quem era o remetente.

Carlos Augusto Alvarenga.

Aquele nome não me era estranho, e pelo que bem pude me recordar, era o policial responsável pela intimação que havia chegado para eu prestar depoimento.

E a mensagem era clara no que queria dizer: "Almir, onde você está??? Angelus está aqui para executar o plano. Espero que tenha conseguido achar a sua preciosa Belina!"

- O que essa mensagem quer dizer? – perguntei, lendo o conteúdo em voz alta. – Por que ele te chamou de Almir? E como sabe sobre mim? – crispei o lábio para a direita, pronta para ouvir sua argumentação, mas ele nada dizia, como se um gato tivesse comido suas cordas vocais.

Mas eu sabia perfeitamente o que ele escondia.

Se a Lara conseguia aparecer para mim, mesmo depois de morta, então era possível aquilo que eu imaginava. Só aguardava o instante em que Guilherme começaria a falar, para saciar minhas dúvidas.

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