O passado de Bel e Lara – 10 anos antes
Fazia inverno em Solitude. Não eram tempos gélidos que esfriavam os corações mais serenos, mas, certamente, acalmavam a tudo. A brisa passava pelos corpos despreparados, embalava os que já estavam cobertos, e esfriavam as orelhas e pontas de nariz. Sempre aquelas duas partes sofriam com o inverno nas ruas da cidade.
Em algum bairro sem tanta importância, as duas garotas inseparáveis, assim como gêmeos siameses, passavam as férias juntas. Amigas desde que se entendiam por gente, não havia forma de separar aquelas que eram unidas por um forte laço de companheirismo, que sempre esteve correlacionado com elas. Se conheceram no jardim de infância, na mais tenra idade. Uma amizade que começa pura e pequena, e cresce, florescendo.
Belina Colombari era uma garotinha de 6 anos de idade quando seu caminho cruzou com o de Lara Letícia. A amiga, que apenas 1 ano mais jovem era, apropriava-se dos brinquedos de sua pequena parceira, e juntas, fluíam a imaginação tenra que apenas uma criança pode possuir.
Imaginavam-se princesas em luxuosos castelos, cercadas por ninfas e as mais belas fadas.
Elas eram grandes amigas. Sempre foram. E aquela amizade singela, apenas aumentou em intensidade quando Lara precisou. A jovem tinha apenas 9 anos de idade quando sua mãe falecera. Ainda haviam os cuidados de seu pai, mas o mesmo era alcoólatra, e conforme mais afundava nas bebidas e drogas, mais dilacerava o coração tão novo – mas tão grande -, de sua pequena.
As coisas haviam melhorado quando o pai de Lara entregara sua guarda para a avó materna, deixando cabível à mesma todos os cuidados que ela precisaria. A jovenzinha sofreu tanto de início, mas mesmo tendo apenas 10 anos na época, já era capaz de compreender que seria melhor para todos.
Apesar de sentir a falta da mãe, ela sabia que poderia contar com o apoio daquela que havia se tornado mais do que sua amiga: elas eram irmãs. Bel era a irmã mais velha que Lara nunca teria, e Lara era a irmã mais nova que Bel sempre quis ter.
Bel tinha uma família tão desestruturada quanto a de Lara, e talvez, por tamanhas semelhanças, elas encontraram o ombro amigo que tanto necessitavam para crescerem. A jovem Colombari não tinha convivência com o próprio pai. Filha também de pais separados, viveu com sua mãe a vida inteira, e lembrava da figura do pai em suas visitas casuais. Isso, é claro, não acontecia com tanta frequência.
Ela tinha a impressão de que seu pai apenas a visitava, quando estava de passagem pela cidade. Nunca em uma intenção verdadeira de dar-lhe um pouco de amor, ou carinho.
Ângelo Colombari era um homem de postura firme e fibra. Tinha cabelos escuros, como os que eram característicos de sua filha, e belas íris verdes. Sempre muito bem vestido, vinha para a cidade e passava duas semanas.
O que Belina nunca foi capaz de compreender na época, é que toda vez que seu pai estava de passagem pela cidade, a taxa de suicídios aumentava gradativamente. Para ela, afinal, aquelas notícias que corriam não tinham a menor importância. Ela só era uma criança. Quem poderia julgá-la por não entender o acontecia diante de seus olhos?
A mãe de Belina, Andréia Duarte; embora não simpatizasse com o ex-marido, fazia o esforço necessário para que ele mantivesse contato com a filha do casal. Embora ela conseguisse cuidar perfeitamente da menina, muito bem, obrigado; sabia que a menina – embora jurasse de pé junto que não – sentia muita falta do pai.
Então, a mãe sempre disponibilizava um quarto para que o ex se acomodasse no tempo em que lhe fosse necessário. E rezava sempre para que não demorasse muito.
Lara não gostava quando Ângelo as visitava, pois ele sempre chegava em época de férias. Época a qual Lara dormia na casa da amiga, e não gostava da presença daquele homem ali.
Ele a fazia se sentir em um abismo profundo, como se o simples fato de estar por perto, tornasse até o mais doce mel, azedo.E mesmo nunca tendo compartilhado com a sua irmã postiça aquele acontecimento, o pai da amiga sempre a procurava quando sozinha estava.
Vinha sorrateiro como um rato no esgoto, chamava sua atenção como um doce predador, ao avistar ao longe a presa que tanto desejava. Ele sabia que deveria dar um jeito na amiga de sua filha, antes que ela descobrisse mais do que deveria.
A garota era esperta e tinha uma imaginação fértil, aberta ao sobrenatural. Ela descobriria, eventualmente. Mas até que isso acontecesse, Ângelo já teria executado seu plano. Ele abusar de sua mente. Penetrar-lhe fundo os instintos. Ninguém poderia saber o que acontecia. Ninguém poderia descobrir.
Sua fala era tão mansa que mais parecia uma hipnose profunda que lhe invadia o cérebro e perfurava seus sentidos. Quando estava com ele, Lara perdia a essência de si mesma.
E quando dele se afastava, sua mente voltava ao normal.
Até aquele fatídico dia. Quando tinha apenas 11 anos de idade, e o homem lhe convencera de que ela era a escolhida para uma missão especial. A missão que carregaria com a honra bradando no peito como uma verdadeira guerreira.
Era isso que ele a fizera acreditar que era. Uma jovem destinada a trilhar o brilhante caminho que havia pela frente. Mas antes, era apenas necessário que ela cumprisse o que Ângelo queria que ela fizesse.
A hipnose em sua mente estava nefasta, ele teria que agir cautelosamente para que ninguém mais descobrisse todo o plano por trás daquilo.
Ela ainda tinha 11 anos de idade. Era tão jovem para deixar que o amor transbordasse em seu peito, mas ele já havia planejado tudo, não era mesmo? Tudo o que ele milimetricamente planejara iria acontecer. Nem que para isso, esperasse anos.
Pois ele via dentro do coração de Lara. Ele via o que estava dentro dela, nascendo sorrateiramente, e tinha que dar um jeito naquilo.
Seu relacionamento com Belina era mais polido. A filha não sabia das intenções do pai para com a amiga, e nem poderia desconfiar. Mas, a situação ficou complicada para Ângelo quando a filha o viu trocar confidências com Lara. E sem aguentar aqueles segredos mais – a hipnose, a penetração mental – a garota contou para sua melhor amiga o que o pai a fazia.
E aquela situação resultou em uma intensa briga, quando a mãe de Belina não estava em casa para impedir que o pai forçasse a mente de sua filha a se esquecer de tudo o que havia visto e ouvido.
E nem era preciso tanto. Para ele, bastou fazer com que a filha dormisse.
E quando a pequena acordou no dia seguinte, se esquecera de tudo o que havia acontecido.
***
Olá, pessoas! Tenho muitos comentários a responder (farei isso o quanto antes).
Obrigada aos que votaram e estão comentando. Vocês são demais!
No próximo capítulo em que falarei sobre o passado, vocês irão entender tudo isso bem melhor.
Até a próxima. Bom final de semana.
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Não foi suicídio!
Mystery / ThrillerBelina vê sua vida virar do avesso ao presenciar um suicídio. Frio, rápido e sem explicação. Uma jovem se joga do topo de um prédio, tendo seu corpo perfurado pelos cacos de vidro da calçada. Ninguém entende como uma jovem no auge de sua vida era c...