5. Beirada à loucura

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- Não tem mais ninguém aqui, Lara! – anunciei, após cambalear de medo enquanto olhava de esguelha para trás. Não havia cão nenhum, não havia homem. Estávamos eu e Lara em seu quarto.

- Ele está atrás, Bel. – ela se encolhe novamente em seus joelhos, com a voz embargada em emoção. – Ele está. Ele está. Você tem que acreditar em mim. – seus olhos plangentes carregavam tanto pesar. – Ele está aqui, Bel. Acredite em mim. Acredite. Ele está. – ela repetia aquilo ininterruptamente, e seu olhar passava vagamente por mim, e depois, fixava no nada.

Suas pupilas dilatadas me assustavam. Ela estava perturbada. Tão perturbada que beirava a loucura.

- Eu acredito em você, Lara. – menti para ela, segurando suas mãos. – Sei que está confusa com tudo que aconteceu, mas vamos ficar bem, okay? – ela ainda se encolhia, e chorava. – Eu só preciso te tirar daqui. Vou te levar pro meu apartamento. Lá nós ficaremos seguras! – exclamei para ela, tentando acalmá-la, embora minha atitude não surtisse efeito.

- Me tira daqui, Bel. – ela se jogou para cima de meus braços. – Me tira. Me tira. Eu não aguento mais os latidos. Me tira daqui. – ela urrava de dor, como se um soco muito forte houvesse lhe atingido o estômago. Seus olhos se arregalaram mais intensamente, e suas mãos tapavam os ouvidos. – Os latidos, Bel. Faça-o parar de latir. Faça-o parar. – ela se revirava. As lágrimas escorriam por seus olhos já roxos das marcas de tanto choro que lhe descia.

Não tem latido nenhum! Pensei, mas nada falei. Lara estava perturbada o suficiente para que eu ficasse debatendo aquilo. Ela estava tendo alucinações. E vê-la naquele estado, do dia para a noite, me deixava pávida.

- Tudo bem, eu vou te tirar daqui, minha amiga. Tenha calma! – a levantei delicadamente, e apoiei seu braço sob meu ombro. Saímos do apartamento dela, enquanto ela ainda estava aos prantos em meus braços. – Você ficará bem. – falei mansamente ao passar o cinto de segurança envolvendo seu corpo assim que a fiz sentar no banco estofado de meu carro.

- Eu tenho medo. – ela disse, com o olhar evasivo. Suas lágrimas haviam cessado.

- Não tenha. Estou aqui com você! – exclamei, dando marcha ré.

- Você não sabe o que eu fiz... – sua voz ficou em um fio ao pronunciar a última frase.

- E o que foi que você fez? – perguntei, sem desviar o olhar da direção.

- Eu fui estúpida. – ela já aparentava calma, embora observasse a paisagem pela janela. – Não deveria ter feito o que fiz.

- E o que foi que você fez? – retornei a perguntar aquilo, esperando que toda aquela culpa pela qual ela se martirizasse não passasse de outra alucinação.

- Você não entenderia. – ela respondeu, ainda vaga. – Preciso ver Pierre. – ela pronunciou o nome do namorado sem enrolar nenhum rr na língua. – Preciso ver. Ele precisa saber a verdade. Precisa.

Embora voltasse a repetir aquelas palavras, seu tom já não aparentava mais alucinação. Ela parecia estar triste. Encostou a cabeça sob o vidro do carro, e adormeceu por um instante, ainda repetindo, trêmula, a frase: Ele precisa saber.

***

Chegamos ao meu apartamento. As vizinhas fofoqueiras estavam na recepção, ainda especulando a vida alheia. Essas aí não têm mais o que fazer mesmo, viu!

Passei por elas, guiando Lara em direção ao elevador, e já pude escutar o burburinho atrás de nós.

Quem é a maltrapilha que tá com a nariz empinado?

Não foi suicídio! Onde histórias criam vida. Descubra agora