O carro cruzava a linha de acostamento, seguindo direção pelo primeiro lado da pista. Havíamos saído completamente de Santo Ceifeiro, levando conosco em nossas bagagens, os jornais e as apavorantes imagens que impregnadas haviam ficado em nossa mente.
A estrada não aparentava ser a mesma pela qual viemos. Não sabia se minha atenção é que captava momentos diferentes, ou se o ambiente fora de Santo Ceifeiro possuísse uma atmosfera diferente.
A cidade até poderia ser pacata, mas fora dela, o mundo era pertencente à outra dimensão. Mais colorido. Mais vivo. Mais íngreme.
Pierre dirigia concentrado no caminho. Embora eu tivesse pedido para dirigir um pouco, ele apenas me deu aquela olhada de canto – a qual era uma de suas características – dizendo que não deixava mais ninguém dirigir seu belo carro.
Aquela desculpa esfarrapada não me convencia. Eu sabia perfeitamente sobre o que se tratava, embora mesmo relutante, ele jamais admitira: Pierre achava que eu estivesse ficando louca.
Então, obviamente, ele não deixaria a suicida em potencial aqui dirigir seu carro, afinal, eu poderia cometer uma loucura que matasse a nós dois.
Eu não faria isso! Se eu morrer agora, quem é que continuará a contar essa história?
Minha mente buscava uma distração, pois a tortura dentro dela ainda era eminente. Os fatos quebrantavam meu psicológico, reduzindo a simples realidade ao que poderia ser fruto de minha mente. Em meu íntimo, as lembranças permaneciam ofuscadas pela projeção de falsas memórias que pouco a pouco, me deteriorava.
- Você está tão quieta! – ele chamou minha atenção, sem desviar por um segundo os olhos da estrada.
- Reflexiva, eu diria! – o céu do outro lado apresentava nuvens espessas. Não formavam imagens, apenas estavam dispostas juntas, e logo atrás delas, o sol. O brilho intenso do sol era uma rajada de felicidade diretamente em minha alma.
Aparecia tão intenso, forte, e sereno. Olhar para o céu em um tempo tão tranquilo, era como uma rajada de boas vibrações, vindo diretamente em mim. O calor palpitava em nossas peles, mas eu não me importei.
Por mais que não gostasse da estação, eu estaria bem mais perdida se não tivesse um céu tão lindo acima de mim.
- Sabe qual é o seu problema? – Pierre forçava um assunto, mas daquela vez, conseguiu captar completamente minha atenção. – Você parece sempre estar escondendo alguma coisa. Dá para ver em seu olhar que existe alguma coisa que você não me contou.
- E o que quer com isso? Que eu vire sua melhor amiga e te conte meus segredos? – minha língua afiada não me permitia baixar a guarda.
- Não precisa se tornar uma confidente. – retorquiu, revirando suavemente seus olhos para o alto – Mas deveria confiar mais em mim e me contar o que se passa nessa sua cabecinha perturbada!
O sorriso de canto se tornou eminente em seus lábios ao proferir as duas últimas palavras, mas eu não pude nem ao menos esboçar um riso. Por mais que ele brincasse, realmente, eu estava perturbada com toda a situação.
Olhei pelo espelho retrovisor do carro, ainda vendo a imagem de Lara mirando-me pelo espelho que há tanto tempo ele não limpava. Ela ainda estava ali. Parada bem ao meio do banco traseiro, com a feição mais complacente que eu já vira em seu rosto.
Pálida ao extremo. Olhar contraído. Boca semiaberta.
Ela já não falava mais em minha mente, mas me senti enternecida por estarmos tão juntas novamente. E aquele momento que era tão nosso, eu não deixaria Pierre tomar conhecimento.
Ele poderia achar que fiquei insana de vez, e me deixaria no próximo hospício que encontrássemos antes de chegarmos à Solitude.
- O álcool está acabando! – ele exclamou bufando em insatisfação.
- O álcool do carro? – olhei no painel, constatando que estava quase entrando em reserva.
- Não. O álcool da minha cachaça! – ele rebateu, tomando para si um pouco de meu humor ácido. – Claro que é o do carro. Preciso achar um posto para abastecermos.
Aquelas palavras saíram de minha boca quase que involuntariamente, e antes que eu pudesse contê-las, eu já as dizia para o Pierre:
- Você pode pegar o retorno e entrar em Vitória dos Campos. – anunciei, vendo a placa da cidade mais próxima sendo projetada diante de nossos olhos. – Lá pedimos informação até encontrarmos um posto. Não deve ser de tão difícil acesso!
Ele nem questionou minha imposição, apenas assentindo. Sabíamos que na rodovia não havia, estranhamente, nenhum posto, e o próximo, ficava perto de Solitude. Não poderíamos arriscar andarmos com o pouco combustível que restava.
- Tudo bem, poderosa chefona! É você quem manda! – afirmou, já convicto de que quanto mais maleável ele fosse comigo, mais eu seria uma boa garota e implicaria menos com ele.
- Muito bem! Além do mais, prefiro continuar nossa viagem sem rumo, do que voltar tão cedo para Solitude. – e erguendo o celular, li em voz alta a mensagem que havia recebido. – Espero que não esteja metida em encrencas, amada. Os policiais vieram interrogar toda a sua família que mora em Solitude. Mesmo sendo uma prima distante agora, fico feliz em ter sido considerada. Dê notícias. Não precisa me dizer onde está, apenas afirme se está bem ou não. Espero que você esteja bem.
- Uma prima distante, mesmo morando perto... – Pierre murmurou aquelas palavras, convencido de que sabia de quem era aquela mensagem. – É aquela sua prima? A loira que namora o nerd arrogante?
- Catarina! – o ajudo com o nome, fazendo um gesto afirmativo. – A própria! Os policiais devem ter ido na casa dos meus tios. Pelo que ela disse, estão interrogando todos os meus familiares e até meus colegas de trabalho.
- Realmente, não é um bom momento para voltarmos para a cidade! – ele afirma, já fazendo a curva para adentrar a bela cidade que anunciava em grandiosos letreiros de gesso, o nome da cidade: Vitória dos Campos.
Pelo menos, aquela cidade apresentava um nome bem mais agradável do que a de nossa estadia anterior. E nosso passeio por ela também seria mais aprazível.
Afinal, nós só queríamos uma coisa naquela cidade. Não havia como nada mais dar errado.
***
Olá, meus amores! Sentiram saudades do livro? Pois bem, fiquei uma semana sem postar (minha inspiração é uma megera traiçoeira).
Como vocês viram, agora eles irão se aventurar por Vitória dos Campos. O que será que vai acontecer? #nãoconto.
Ah, e apenas uma curiosidade: A Catarina (prima da Bel que enviou a mensagem) é uma personagem de Meninas de Seda, o primeiro livro que escrevi.
O namorado nerd (de nome João Célio Lancastre) também faz parte da trama, em MDS. Como os dois livros se passam em Solitude, em algum momento, resolvi fazer essa pequena referência.
Até a próxima,
Juju.
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Não foi suicídio!
Mystère / ThrillerBelina vê sua vida virar do avesso ao presenciar um suicídio. Frio, rápido e sem explicação. Uma jovem se joga do topo de um prédio, tendo seu corpo perfurado pelos cacos de vidro da calçada. Ninguém entende como uma jovem no auge de sua vida era c...