42. Nossa realidade particular

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Belina. 

Ele deu um sorriso de satisfação ao se deparar comigo. Estávamos no meio da rua, e devo admitir que a cena apenas me fez aparentar estar mais louca do que eu gostaria de admitir, mas aquele homem e eu precisávamos de um belo acerto de contas.

- Pensei que não reconheceria mais seu próprio pai. – ele anunciou, melodioso, como se merecesse o prêmio Paizão do ano, por eu ter sido uma filha muito ingrata.

- Não seja cínico! – rebati, armando todas as minhas defesas contra ele, já pronta para um confronto, se viesse a ser necessário. – Você sabe muito bem tudo o que fez.

- Ah, sei sim! – ele admitiu, nada redimido. – E se você tivesse sido uma filha mais atenta, teria reparado em tudo isso, antes mesmo do plano ter sido iniciado.

- Como você pode ser o ceifeiro? – gritei para ele, notando que as pessoas ao nosso redor passavam desconfiadas. A minha moral naquela cidade já estava baixa. Eu havia gritado em um posto de gasolina, dentro de uma cafeteria, e agora, dava mais um de meus shows no meio da rua.

Ótimo! Que eles pensem que estou louca. Mas não vou deixar que ninguém aqui tome minha lucidez. Custe a mim o que custar.

- Eu sabia que mais cedo ou mais tarde, você acabaria notando. – ele dizia em tom brincalhão, enquanto fazia um gesto para que seu imenso cão se calasse. O cão olhava para mim, com sua baba descendo por seu focinho, e eu me permiti estremecer uma vez mais.

Eu estaria perdida se ele resolvesse soltar aquela coisa em minha direção, mas sabia que ele não o faria. Eu era a única filha que ele tinha, não é? Ele não seria capaz de me destruir.

Poderia fazer aquilo com qualquer pessoa que estivesse ao meu redor e tivesse meu amor, mas alguma coisa me envolvia e o impedia de me atacar.

- Você é louco! Sempre foi louco. Seu psicopata. Como pode fazer uma coisa dessas comigo? Você levou todos aqueles que eu mais amava! – urrei em sua direção, sentindo a lucidez me fugir. Eu não conseguia mais conter a raiva que em mim havia ficado reprimida durante aquele tempo.

Era inaceitável. Eu estava diante do homem que transformou a minha vida em um verdadeiro inferno. O que mais poderia fazer? Aceitar aquilo de braços cruzados? Ou acabar com ele e todo aquele mistério de uma só vez.

- Fico lisonjeado, minha querida! – ele revidou, ainda menos lúdico do que antes. Sua fala continuava serena, e aquilo só me fez ter ainda mais vontade de acabar com ele de uma só vez.

Independente de ser meu pai. Independente de quem fosse. Ele estava fazendo o caos na minha vida. Na minha mente. Estava transformando jovens inocentes em suicidas. Que tipo de pessoa fazia aquilo?

Muito bem. Ele não era uma pessoa. Era um demônio que gostava de ser chamado de anjo. Era algo maléfico que precisava ser contido, e eu o conteria.

- Você me enoja! – gritei para ele, notando que dois homens passavam por aquela direção. Eles não conseguiam vê-lo. Apenas eu conseguia.

Assim como Lara só aparecia para mim, aquela presença fantasmagórica assustadora. Eles eram os meus demônios interiores, e viviam impregnados em minha própria mente.

A mente que havia sido corrompida com o pecado, com o martírio, com a culpa e o ressentimento. Ele se alimentava de minha dor para fazer sua glória. Eu ainda o via diante de mim. Conseguia sentir a presença de Pierre e Guilherme às minhas costas.

Sabia que Lara estava à minha direita, pois ali era o lugar onde ela sempre deveria estar. E não sentia mais o mundo ao meu redor, como se a dor em minha mente me fizesse distorcer a realidade.

Não foi suicídio! Onde histórias criam vida. Descubra agora