17. À procura da saída

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- Nós temos que sair daqui. – Pierre anunciou, já regurgitando. O ponto de luz chamuscado havia desaparecido, nos deixando imersos na completa escuridão – claro, se não fossem as lanternas de nossos celulares que ainda permaneciam acesas.

- Eu sei disso! – exclamei para ele, dando uma volta completa em torno de meu próprio corpo, apenas para me assegurar de que não havia ninguém atrás de nós, ou dos lados.

Aparentemente, estávamos sozinhos na cena do crime. Eu. Pierre. Um cadáver de uma moça que apresentava uma curva macabra em seu rosto. A curvatura de um grande sorriso, que começava de uma ponta à outra, sem mostrar os dentes. Um simples sorriso, preso à um fino elástico que iniciava no interior de sua mandíbula, subindo pelas bochechas inchadas, findando-se preso atrás de suas orelhas.

Seu sorriso representava a satisfação pela dor. Mas não era dela a felicidade. Posso até mesmo dizer que não era da moça cadáver o sorriso que lhe era forçadamente apresentado à face.

Ele mostrava a satisfação de seu algoz em cada minucioso detalhe em que feriu sua vítima. Aquilo estava claro para mim. Mas a leve minudência da curvatura em sua face já era de se notar que aquele sorriso em sua face, era uma das piores marcas que seu assassino poderia deixar.

Descobri que o sangue possuía um cheiro metálico, forte e entorpecente. Minha respiração lenta e ritmada foi o único som audível que me dispus a escutar no momento. Pierre parecia conter seu próprio respirar, que se tornou arfante de início, mas foi contido quando ele levou uma mão à boca, encobrindo também o nariz.

O cheiro do cadáver exalava. A podridão da carne ainda não era sentida, pois não entrava em estado de decomposição. Mas o sangue exalava o inevitável odor da morte por nossas narinas, e nos impregnava com sua dureza.

- Você acha que quem a deixou nesse lugar, ainda está por aqui? – sussurrei para Pierre, que não demorou a retorquir.

- Deus queira que não! – o choque pelo acontecido era tamanho. E não poderia culpa-lo por aquilo, pois eu mesma me sentia estranha presenciando aquele momento.

O fedor dominava o cômodo abafado. Dei uma breve olhava no cômodo em que nos encontrávamos, mas não havia nada mais do que o corpo suspenso pelos ganchos. O piso do chão, completamente empoeirado e sujo. Poucos móveis dispostos entre os cantos do cômodo tão pequeno. Notei dois armários de madeira em um lado, com dispersas teias de aranha envoltas.

- Não tem nada para vermos por aqui, Be! Vamos embora logo. – Pierre se aproximava de meu pescoço, sussurrando rente ao meu ouvido. Seu gesto fez meus pelos se eriçarem novamente, e não gostei da sensação.

- Tudo bem. – repliquei, dando uma última olhadela na direção do cadáver preso pelos ganchos.

Realmente, não havia nada que pudéssemos fazer ali.

- Eu sabia que tinha sido um erro trazer você pra cá. – Pierre resmungava enquanto atravessávamos o corredor. – É claro que não tem nada normal com uma cidade que se chama Santo Ceifeiro. Ceifeiro. Você sabe o que isso significa, né? – e dando uma olhada em minha direção, ele anunciava incrédulo, no instante em que passos à minha frente buscava pela saída do Gazetino.

- Ceifador. – retornei, dando um riso. – Aquele que abate uma vida com uma foice.

- E você acha graça nisso? – ele estava praticamente trêmulo. Andava bem mais rápido do que eu, procurando com os olhos pela saída, o mesmo lugar no qual havíamos entrado.

- A única coisa engraçada aqui, é esse seu nervosismo todo. – rebati, recebendo um olhar sobre o ombro, que indicava que ele não estava para brincadeiras.

Eu também não estava, obviamente. Meu sexto sentido me dizia que alguma coisa muito errada estava acontecendo naquele local, e não era apenas sobre o cadáver. Meu corpo ainda reagia em arrepios quando eu me permitia pensar no sorriso que aquela moça demonstrava. No sangue que de seu corpo escorria, indo de encontro direto ao chão, grudando-se à toda poeira que o piso acumulava.

O respingo que as últimas gotas de sangue de seu corpo, encontrando o caminho pelo chão. A morte escorrendo lentamente por cada parte daquela garota tão franzina,

O Gazetino possuía um vasto corredor, que dava acesso à vários compartimentos diferentes. Meu celular avisava que a bateria estava ficando fraca, então teríamos que ser rápidos.

- Eu não estou encontrando a saída. – Pierre anunciou, alguns passos à minha frente. Ele deu uma volta que o circundava. – Não tem erro. Não tem como a gente não encontrar a saída.

Olhando ao redor, eu também me confundia. Aquele lugar parecia todo igual, em cada canto. De onde é que nós viemos, mesmo? Tentei recordar, mantendo minha mente calma.

- Ali! – apontei em uma direção, avistando ao longe a porta pela qual passamos assim que chegamos. A recepção estava bem adiante. – Não sei como não vimos antes. – anunciei para ele, dando um riso. Dei passos mais longos em direção à porta. Mas assim que a puxei, ela não abriu.

- Abra a porta, Bel. – Pierre correu em minha direção. Eu dei um passo atrás, estranhando aquilo. Não havíamos trancado a porta. E nem teria como, após termos arrombado ela. – Não está abrindo. – ele puxava exasperado, fazendo força para abrir a porta. – Nós não trancamos ela, Bel. Isso não pode ter acontecido.

Dei mais dois passos para trás. Meu coração batia tão descompassado que estava prestes a explodir dentro de meu peito.

- Tem razão, Pierre. – disse eu, já sentindo o gosto amargo das lágrimas descendo por minha garganta. – Nós não trancamos a porta.

Ele olhou em minha direção, engolindo em seco. E então, em um piscar de olhos, as luzes que ainda incidiam em nossos celulares, apagaram.

Ao longe, aquele som ecoou pelo corredor.

Um latido.

Não foi suicídio! Onde histórias criam vida. Descubra agora