29. Você é uma péssima amiga!

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Virei-me na esperança de constatar que ela realmente estava ali, diante de mim. Mas não havia ninguém atrás de meu corpo. Ninguém que pudesse ser visto à olho nu, pelo menos, pois assim que voltei a mirar meu reflexo através do espelho, sua feição ainda me encarava.

De modo quase angelical, confesso, mas ela me olhava com uma expressão de decepção no olhar, como se não acreditasse que eu havia cometido aquele ato com o namorado dela.

- Belina... - sua voz etérea sussurrava meu nome, mas eu apenas conseguia sentir o peso da culpa despontando em mim. - Como pode fazer isso comigo? - ela dizia, de modo dilacerado por dentro. Como se a ferida que eu havia lhe causado com a minha atitude, não fosse tão grandiosa quanto o seu suicídio.

- Me desculpe, Lara... - senti uma lágrima quente percorrer a maçã de meu rosto, e quando menos me dei conta do ato, meu rosto encontrava-se imerso no choro que amargamente descia. - Eu estava fora de mim! Eu não fiz por mal...

- Você é péssima como amiga! - seu rosto estático apenas move os lábios conforme ela vai proferindo suas palavras que transferem a mim toda a culpa pelo acontecido. - Esperou apenas a primeira oportunidade para consumar o ato...

- Isso não é verdade! - abaixei minha cabeça, tentando evitar encará-la, mas sua voz já perpetuava o fundo de minha mente, e não havia jeito contra aquilo. Ela repetia a cada instante mais enigmaticamente que eu apenas esperei pela oportunidade perfeita para me livrar dela. Que eu apenas fui até lá para ter o Pierre só para mim.

- Você é uma traíra! - ela exclamou com mais firmeza, fazendo-me tremer imensamente pela dor que suas palavras causaram dentro de mim. - Você nunca foi uma amiga verdadeira! - e repetia ininterruptamente as mesmas frases horríveis, fazendo meus ouvidos doerem terrivelmente ao escutá-las.

E pior do que isso: cada palavra que ela dizia, era uma pontada direta em meu coração. Aquilo me feria muito. E eu apenas queria esquecer as lembranças da noite anterior, mas não havia como eu esquecer de algo tão recente.

Tudo de errado acontecia comigo naquele momento. Eu sentia o remorso subindo por cada pelo de meu corpo, e nada poderia fazer para reverter a situação. Aquela Lara deveria ser nada mais do que uma alucinação em minha cabeça, mas ela tinha razão, afinal.

Eu não deveria ter feito o que fiz. Não após toda a história que Lara e Pierre viveram juntos. Não após a vida inteira que eu e ela dividimos, como melhores amigas.

A gente se conhecia desde sempre, praticamente. Não lembro com exatidão quando, mas nossos pais sempre foram amigos, e por consequência, nós crescemos juntas.

Sua mãe falecera quando ela era tão nova, e nos unimos tanto. Dizíamos que nada nos separaria. Nem o tempo. Nem outras pessoas. Nem mesmo a morte.

E agora, olhe só o rumo que as coisas tomaram por aqui. Nossos castelos de areia foram destruídos pela inevitável maré que nos banhou, e a grande promessa em nossas vidas, não se cumpriu no final.

Era para estarmos juntas em todos os momentos. Não era para nada daquilo ter acontecido. Nem eu com o Pierre, pois mesmo após a morte de minha grande amiga, aquilo era uma traição inestimável, e ela estava certa em dizer tudo aquilo para mim.

Não havia nenhuma vírgula de seu discurso que eu seria capaz de remover, pois sabia que ela estava absurdamente correta em cada pensamento e falácia que ela proferia contra mim.

E eu aceitava aquela dor, pois eu era a progenitora dela. Eu procurei tudo que havia sido causado, não é? Eu merecia ser chamada de traidora, de ouvir sua voz, que agora só pesava fundo em minha consciência, declamando que eu fui uma amiga pior para ela, do que ela para mim.

- Você está certa, Lara... - sussurrei, tentando engolir as lágrimas que ainda caiam, mas aquela situação já havia passado de meu controle. E eu sabia que eu não conseguiria me controlar por mais tempo. - Você tem razão. Eu sou uma péssima amiga! Eu não mereço nem a sua piedade. - voltei a encarar seu rosto que ainda aparecia na direção do espelho, pronta para que ela me acusasse novamente. Mas ela nada fez, a não ser me encarar com seus lábios cerrados, olhando para aquela cena deplorável em que eu me martirizava pelas coisas que haviam acontecido.

- Você é a culpada! E não deve viver com o peso dessa culpa em seus ombros. - sua voz adocicada agora tentava me induzir à outro ato. - Eu só poderei te perdoar, Bel, se você fizer o mesmo que eu fiz. - ela estava obstinada a convencer a cometer o mesmo ato, e o peso da culpa já era tanto, que eu não me importaria em acatá-lo. - É o único jeito de te livrar de toda a culpa que paira em você. Será que não entende? Você precisa cometer o mesmo ato, Bel. Te garanto que não irá doer. É uma sensação de liberdade. Uma ótima sensação de liberdade!

- Morrer não dói? - perguntei, já encarnando suas palavras e tomando-as como o exemplo que eu deveria seguir.

- Um pouquinho. - Lara nem hesitou, tomando cuidado para soar o mais sincera possível. - Mas a sensação pós morte é libertadora, Bel. Você vai querer sentir isso. Te garanto! Quer se ver livre da culpa? Então faça isso. E passaremos toda a eternidade juntas, como verdadeiras irmãs de pais diferentes.

Seu olhar perscrutava o fundo de minha alma. Eu já me sentia esgotada de tudo o que vivíamos nos últimos dias. Se eu fui capaz de cometer um ato tão horrível contra a minha melhor amiga, como a pior traição que alguém poderia cometer, então certamente eu seria capaz de fazer aquilo.

A única coisa que me seria necessária, seria pular...

- Tudo bem, Lara! - sussurrei uma última vez seu nome, antes de sair do banheiro. Sua presença já não mais estava comigo, mas sua voz ainda ecoava em minha mente dizendo o que deveria ser feito.

Eu havia me tornado uma mulher completamente frágil. Manipulável. Como se não possuísse o menor controle sobre meu corpo e minhas atitudes. E naquele instante, eu realmente não tinha! Era como se tudo fizesse sentido naquele momento, e o ato de cometer suicídio não fosse assim, tão absurdo.

- Bel? Por que você está demorando tanto? - ouvi a voz de Pierre bater levemente na porta, mas nada me dei ao trabalho de responder. Já estava indo em direção à janela do quarto mesmo, ele não conseguiria fazer nada para impedir.

Abri completamente a janela, já subindo em seu parapeito, para o salto fatal, quando Pierre adentrou o quarto, se deparando com a cena.

- Belina! - ele gritou em minha direção, vindo em meu socorro.

Mas eu conseguia ser mais rápida do que ele.

***

Olá, amores! Tudo bem com vocês?
Eu já estou bem melhor.

O capítulo 30 está chegando, e logo eu terei que começar a pensar no final do livro. Bom, ainda teremos mais revelações dos Ceifeiros, lembranças da Bel com a Lara, antes de toda a revelação.

(Embora eu queira terminar logo de escrever o livro, não quero finaliza-lo, rs).

Até a próxima,

Ju.

Não foi suicídio! Onde histórias criam vida. Descubra agora